Capítulo 21 - O telegrama de Lisboa e o Caderninho

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As horas se passaram, veio a tarde e veio a noite.

Betinho se arrumou para o jantar, ficou a tarde toda em seu quarto escrevendo.Fechou seu caderninho e colocou dentro do guarda-roupas, ninguém poderia descobrir que depois de toda aquela surra o garoto continuava sonhando em viver da escrita. Não apenas por isso, ninguém podia ver o que estava escrito ali, eram páginas e páginas de juras de amor para sua amada, amiga de infância, a filha de uma empregada da família, Laurinha. Saiu de seu quarto, seguiu sem pressa pelo corredor, avistou um funcionário indo até o quarto de seu irmão com uma bandeja, parecia estar vazia.

O funcionário bateu e logo foi atendido por Eustácio.

— Um telegrama urgente de Lisboa para o senhor, doutor Eustácio.

"Telegrama?", pensou Betinho. Telegrama era coisa importante, era coisa de gente grande e importante, o coronel recebia telegramas. Raramente seu pai recebia telegramas urgentes, quando recebia era para avisar que os funcionários de determinada fazenda ou de seus navios estavam querendo entrar em greve ou coisa do tipo. O velho coronel geralmente respondia de imediato:

"Desça o porrete .

Era o meio de comunicação mais importante, direto e difundido naquela época, as mensagens eram enviadas pelo telégrafo de um local a outro, vinham por código morse, o telegrafista traduzia e passava para o papel, ou transmitia batendo na máquina. O telegrama era cobrado por palavras, portanto era direto, sucinto, iam logo direto ao ponto.

— O que é, Tacinho? Boas ou más notícias de Lisboa? — Indagou Betinho ao irmão mais velho. Os dois ficaram parados diante do batente da porta do quarto, Tacinho abriu e começou a ler. Sorriu enquanto lia, eram boas, muito boas notícias de Lisboa:

"Aceito seu oferta pt [ponto] Estou a caminho de São Paulo pt . Cordialmente vg [vírgula] Manoel de Souza".

— Manoel, meu amigo de faculdade está vindo! Ele aceitou minha oferta de trabalho, já está vindo para cá! Meu grande amigo! O Maneco! — Disse eufórico, gargalhando, Eustácio para o irmão. — Queria tanto que ele viesse. — Eustácio colocou o telegrama contra o peito enquanto disse aquilo. Ele parou por um minuto e suspirou.

Suspirou.

O coronel já estava sentado diante da ponta da mesa, quando seus dois filhos apareceram, ambos sorridentes.

— Por que demoraram tanto!? — Falou enquanto segurava um cigarro em uma das mãos e levava uma taça de vinho até a boca. — Detesto atrasos! Vocês sabem disso.

Os dois meninos chegaram, puxaram suas cadeiras e sentaram diante da mesa, da imensa mesa farta de comida, enquanto pegavam o guardanapo e colocavam sobre as pernas, Betinho disse:

— Eustácio recebeu um telegrama urgente de Lisboa, papai. — Falou Betinho e logo foi pegando seu prato e buscando uma colherada de arroz para repousar o feijão. — Boas notícias de Lisboa, ao que parece.

— E o que é? — Perguntou o coronel, esperando que talvez fosse algum telegrama do próprio governo de Portugal, ou da própria faculdade em que Eustácio havia cursado Direito. Talvez algum cargo público no exterior houvesse surgido.A face de Eustácio ficou rosada, cheio de timidez, o menino simpático deu um sorriso meio sem jeito enquanto pegava seu prato e buscava um pouco de mistura. Sabia que seu velho pai não gostaria daquilo, não gostaria que trouxesse alguém de longe para trabalhar com ele.

— Um amigo de Lisboa aceitou trabalhar comigo na promotoria, papai.

— Mas trabalhar na promotoria, meu filho? — Falou o coronel depois de tomar longo gole de vinho. — Não são assim que as coisas funcionam, tenho muitos filhos de amigos meus que precisam de um trabalho e os pais deles me ajudaram na indicação de você para esse cargo na promotoria! — O coronel falou e tomou mais um gole de vinho. — O partido vem em primeiro lugar, não se esqueça disso. Melhor um compatriota, do que um estrangeiro ocupando um cargo no governo.

Café com LeiteWhere stories live. Discover now