o jogo da esquerda e da direita pt7(FINAL)

389 4 0
                                    

Sou agraciada na volta da entrada de Wintery Bay pelo canto dos pássaros.

Fiquei grata pela companhia, estava dando boas-vindas a qualquer som que me distraísse de meus próprios passos solitários, buscando qualquer antídoto concebível para o silêncio palpável que ele deixou para trás. Entretanto, não sou tão receptiva ao o que aquela melodia fervescente e melancólica representa; o primeiro sintoma do iminente amanhecer.

Eu só tinha estado acordada por volta dessas horas poucas vezes, tropeçando pela de Niddry Street e também pela Sweetmarket, depois de noitadas loucas. O pessoal que moravam comigo, Molly, Craig e Tom, passavam a caminhada discutindo alegremente os escândalos da noite, apoiando-se uns nos outros enquanto todos tropeçávamos em uma noite de horríveis excessos.

Desta vez, as circunstâncias eram absurdamente diferentes. Estava completamente sozinha enquanto subia a estrada, e o único excesso na minha noite tinha sido uma torrente implacável de estresse e melancolia. Entretanto, existe uma mera coincidência, algo que prevalece tanto agora como naquela época; a sensação incômoda de que o dia seguinte seria com o gosto amargo das consequências.

Por mais sombria que a noite tenha sido, ainda me sinto apegada nela, relutante em testemunhar os desenvolvimentos angustiantes que o nascer do sol trará. Em poucas horas, o comboio acordaria e descobriria que sofreu outra perda. Não seria uma sensação brutal e dolorosa como quando perdemos Eve, Apollo ou Bonnie, que desapareceram diante de nossos olhos, mas uma sensação muda de injustiça. Por mais que odiemos enfrentar os horrores em nossas vidas, pode ser muito pior quando esses nos atingem sem o nosso conhecimento. Acordando na manhã seguinte apenas para se dar conta que foi afetado por forças cruéis que agiram sem respeito nenhum à sua presença, sem seu consentimento. 

Não vai ser uma manhã agradável. No entanto, fico feliz em ver o comboio quando ele finalmente aparece.

O imenso Wrangler descansava à beira da estrada parecendo uma relíquia antiga. Naquele momento, não consiguia pensar em nada mais reconfortante do que entrar em sua casco seguro. Por um momento, achei estranho como um objeto feito para ser um transporte se tornara o único ponto fixo no meu mundo, e então, novamente, obviamente não era a coisa mais estranha naquele momento.

O carro do Bluejay estava estacionado de lado, espalhando-se pela estrada. As janelas cobertas por escuridão, ainda que por um breve momento achei ver um ponto vermelho de um cigarro fumegante, acendendo-se por trás do vidro, brilhando momentaneamente antes de sumir de vista. Fixei meus olhos no Wrangler e continuei andando, resolvendo ignorar o brilho sinistro das brasas e ignorando suas implicações. Mesmo assim, estremeci ao pensar nas conclusões sombrias que estariam sendo feitas dentro daquela câmara de fumaça.

Descansei minha mão na porta do lado do passageiro do Jipe, parando brevemente para avaliar o sol nascente. Tinha menos de duas horas antes que Rob me levasse para um território desconhecido, para a seção inexplorada do jogo da Esquerda/Direita. O que quer que esteja no final, poderia muito bem ser duas estradas... então, novamente, poderia levar muito mais tempo.

Suponho que só há uma maneira de descobrir.

Subi em silêncio no carro e gentilmente me posicionei ao lado de Lilith. Era apertado, e agora que ela tivera espaço para se movimentar, foi preciso um pouco de contorção para me deitar, mas ainda parecia mais confortável do que a perspectiva de me deitar no espaço que antes era reservado a Clyde. Pelo menos nesta noite, pareceria um pouco demais descansar em uma cova fresca.

A manhã veio mais rápido do que eu gostaria. Surpreendentemente, quando acordei de um sono feliz e sem sonhos, percebi que não estava nem um pouco cansada. Talvez isso fosse me atingir mais no final do dia, ou talvez a necessidade de dormir cada vez menos fosse mais um dos "benefícios" da estrada. Era inquietante pensar que a estrada estava exercendo alguma influência metamórfica sobre mim, por mais conveniente que seja esse efeito. Depois de não sentir mais vontade de comer ou beber, e agora precisar cada vez menos descanso, não posso deixar de sentir que algo quer que nós continuemos na estrada, tirando de nosso caminho qualquer obstáculo, qualquer coisa que nos tire dessa jornada. É uma algo que me intriga e me apavora em medidas iguais.

Contos Sobrenaturais Onde histórias criam vida. Descubra agora