0. A janela do quarto do Ateu ridicularizado da cidade.

307 40 20
                                    

"Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus."

Romanos 12:2

Darwin olhava de maneira aborrecida para a janela do seu quarto.

As gotículas molhavam sem misericórdia o vidro quase embaciado. O lugar apenas iluminado pela luz do sol filtrada graças às nuvens nubladas do dia.

Um dia péssimo, para variar.

Apesar do clima pesado e triste, os seus cabelos loiros, rebeldes e espetados estavam no ar, como se tudo fosse motivo para manter a sua atenção ligada em 200%. Sorria, encarava a capela religiosa que tinha vista do seu quarto – na verdade, tinha a vista para praça da igreja, a cinco minutos do centro da cidade. Era uma vila minúscula, penso que nem o nome cidade digno e para algo tão pequeno, com tão poucos habitantes.

Vila. Exatamente.

Assim está melhor.

Darwin tivera a sorte olhar para a cruz enorme, o símbolo religioso, todos os dias quando acordava. Talvez fosse um castigo divino ou dos seus familiares, num sinal para se converter de uma vez; que resistir era inútil.

Que ser ateu era inútil.

Por incrível que parecesse, não era a visão que o deixava divertido, nem o tempo, nem os pensamentos vagos ou muito menos o caderno de anotações escrevinhado ao seu lado.

O que o divertia era ver as típicas famílias, querendo mostrar a perfeição e corroendo-se de defeitos.

Darwin não via qualquer problema em ser-se religioso ou admitir os defeitos.

Ele via o problema era em ser-se hipócrita.

Darwin não queria ser como eles.

O divertimento dele então, nas manhãs de domingo, era adivinhar qual seria o defeito de quem. Okay, parece errado, mas pode soar pior do que na verdade é, eu juro!...

Ah, qual é o problema?! Ele é uma criança de dez anos. É normal querer usar algo para se rir. Crianças são estúpidas.

Vamos começar com a família de duas filhas. A mais velha escrevia no telemóvel e por algum motivo, a pirralha tinha ar de sonsa.

A primeira teoria da manhã seriam só mais uns pais frustrados por terem mimado demasiado as suas filhas, resultando num casamento falhado em que, pelo menos, um deles tinha casos fora da relação.

...Okay, talvez pudesse nem ser assim tão verdade. Mas na sua mente pequenina, achou aquilo hilariante.

Teve de abafar o riso entre os lábios, para não se rir da cara do homem, que estava mais interessado na minissaia de uma jovem de dezoito anos.

As próximas pessoas tinham só uma menina, como filha; a criança parecia inocente, aparentando ter por volta da sua idade, sei lá. As meninas crescem muito rápido. De cabelos curtos e ar alegre, saltitava de um lado para o outro. Por estar longe, era difícil ver-lhe os pormenores do rosto.

Infelizmente, a mãe não estava presente. Nesse momento, julgou que fosse alguma família que perdera a mãe, recentemente. Houve uma notícia nestes dias com isso no jornal, e Darwin quase se sentiu culpado.

Quase.

Quem disse que ele não sabia que era errado?

Acham mesmo que ele se importava?

A teoria bizarra seguinte foi de um casal com três filhos, dois rapazes e uma menina. Um era bebé, estava nos braços da mulher. O homem, que parecia um senhor normal; enquanto a senhora, coitadinha, tentava calar o bebé sem o encher de porrada. Ou, talvez, fosse delicadamente. Contudo, para Darwin, isso não importava. Ele enfiaria um pepino pela sua garganta para mandar a criança à merda.

Super delicado.

Depois de algumas famílias, ele acabou por prender o olhar em mais uma. Esse rapaz dava a mão aos pais e aparentava ter os seus... Nove, oito anos?

Continuava vidrado, vendo onde aquilo ia dar. Não percebeu nada de errado e torceu o nariz por isso. O homem era simples, enquanto a senhora parecia trocar carinhos maternos com o filho. Mesmo sem gostar de admitir, a cena afundou um pouco o coração do rapaz no meio do seu peito.

Porque é que ele não tinha direito como os outros?

Qual era o problema de não acreditar em Deus?

Pelo ar intragável do pai, julgou que tivesse enfiado um peixe-podre no cu antes de se levantar, apesar de provavelmente ser só mais um caso de um alcoólatra frustrado com a vida. Havia muitos na cidade, embora a cara dele até lhe fosse familiar. O miúdo tinha medo até das formigas.

Foi aí que percebeu, obviamente, do que se tratava. Do porquê do ar irritado do pai. A sua maior e melhor teoria até então, dando uma gargalhada.

Sorriu maliciosamente, enquanto fitava os cabelos castanhos volumosos da criança que agora ia entrado na igreja.

O rapaz era, obviamente, gay.

Leva-me para a Igreja ✟ (Romance Gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora