1. Começando em agricultores e terminando em morangos.

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"Quem semeia a injustiça colherá a desgraça".

Provérbios 22,8

" – Darwin Flame!".

A voz estridente e desnecessária do seu avô gritou tão alto, a meio do jantar, que lhe feriu os ouvidos e, instintivamente, fechou os olhos.

" – Quantas vezes tenho de te dizer para agradeceres o que tens à frente da mesa, antes de começares a comer?!".

A sua vista levantou-se com calma, encarando o homem. Ele metia medo, a sério. Não tinha cabelo, parecia um ovo e ainda tinha um bigode farfalhudo e muito bem arranjado por cima do lábio superior, acastanhado. Os seus olhos eram pequenos e escuros.

Achava-o muito estranho.

Mas, bem, quando é que Darwin não acha alguém estranho?

" – Certo". – Resmungou. Juntou as palmas das mãos, fazendo um pequeno barulho e voltou a fechar o olhar, como se estivesse pronto para rezar, em voz alta. – "Agradeço ao agricultor que cultivou esta salada, à empresa que embalou o arroz e ao talho que cortou a carne".

" – Darwin!". – Gritou a irmã mais velha, repreendendo-o severamente. Os seus pais limitaram-se somente a entreolhar-se, enquanto a mãe engolia em seco e pensava numa maneira de se desculpar a todos os familiares, naquele jantar de família.

Encolheu os ombros e, enquanto todos discutiam e o colocavam fora da conversa, foi o único que comeu a picanha quente.

Os familiares de Darwin eram extremamente religiosos. Os Flame eram uma família um tanto conhecida, graças ao seu avô. David Flame, ou o ovo irritante como gosta de lhe chamar, era um homem de negócios importantes, que iniciou não sei bem o quê naquela cidade, no meio do nada. Depois aconteceram umas coisas quaisquer e tudo o que Darwin sabe, é que perdeu praticamente tudo e agora tem de viver na sua casa.

Contorceu o nariz quase a sentir nojo, assim que saiu da mesa de jantar.

" – Não entendo...". – Deixou escapar, num murmurar constante. Adorava contar as estrelas que brilhavam no escuro do seu teto. Tinha as colado lá quando era pequenino e ali ficaram. Por gostar de criar constelações, nunca as retirou, mesmo que David achasse infantil. – "Juro que não entendo".

Por debaixo daquela má educação toda, ele era mais um rapaz de dez anos que queria um amor familiar mais profundo e confiável do que tinha. Sabia que era só mais um miúdo aleatório daquela vila pacata e parada; era indesejado e filho de Lúcifer, fosse lá quem fosse Lúcifer... Por isso, Darwin desconfiava ser adotado. Não sabia quem raios era o homem.

Por parecer mais novo do que era, os colegas da classe gostavam de tirar proveito disso. Claro está que estes levavam uma tremenda surra e os seus progenitores – não o tal Lúcifer, os pais dele mesmo – eram novamente chamados à escola, como quase todas as semanas. Não era à toa que Darwin andava sempre cheio de pensos rápidos no rosto, tronco, pernas e braços. Curiosamente, usava sempre um branco do nariz, retangular. Nunca se sabe quando é necessário proteger uma cana de nariz quase partida!

Gostava de dizer que era o seu 'penso da sorte', por ser o seu de reserva, quando se magoava e já não tinha mais nada para parar o sangue. Depois, substituía por um branco, novo. Na verdade, não era bem um penso da sorte em si e mais 'o lugar dos pensos da sorte que já me salvaram de muitas idas ao hospital'.

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⏰ Última atualização: Oct 11, 2018 ⏰

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