Capítulo 3

30 4 0
                                    


É sexta feira a tarde e eu estou sentada na mesa de estudos que tem no meu quarto, estou encarando o desenho que fiz que fica em baixo do tampo de vidro, quando de repente meu pai bate na porta.

-Quer ir surfar comigo?

-Não, obrigada. Vou terminar esses exercícios de gramática aqui.

Ele coloca a mão no coração como se eu o tivesse atingido no peito, sempre o mesmo drama.

-Olivia? - Ele chamou minha mãe.

-Sim, querido?

-Você tem certeza que nosso bebe que deveria ser uma pessoa super descontraída e desorganizada, não foi trocada por um outro bebe super certinho, filhos de pais caretas?

Ouço os passos da minha mãe vindo pelo corredor e ela aparece na minha porta sorrindo e se encosta no batente, assim como meu pai.

-Filipo, eu gostaria de dizer que sim, tivemos nossa preciosa criança roubada de nós, mas infelizmente ela é uma mistura de nós dois que não da pra negar que esse menina aqui é nossa filha.

-Ha ha ha ha, muito engraçado vocês dois. Para seu governo, senhor Filipo, eu posso ser super descontraída e desorganizada, mas infelizmente tenho que ser a madura dessa família.

-No desorganizada ela esta certíssima querido, Cacau, por favor tire as roupas da sua cadeira de balanço, aquilo não é armário.

Me levanto e tiro todas as roupas que deixei acumular na minha cadeira, na verdade não é bem uma cadeira, parece mais aqueles balanços ovais de palha que as pessoas colocam na varanda das casas.

É pedir demais ter um móvel extra assim no quarto e não fazer dele um deposito de roupas das quais eu tive preguiça de guardar.

(...)

Já esta quase anoitecendo e eu estou deitada de cabeça para baixo na minha cama, lendo um livro para a aula de história quando meu telefone começa a tocar.

-Oi Alê - digo sem nem precisar olhar para saber quem era.

-Esta fazendo o que?

-Lendo o livro que a professora disse que cairia na prova.

-Eu queria ser tão dedicada quanto você, mas enfim, quer dormir aqui em casa hoje? Podemos achar um filme legal para assistir.

Respiro fundo e tento lembrar se tenho algum compromisso pra mais tarde, mesmo sabendo que não, então simplesmente aceito, faço uma mochila e peço para meus pais se posso sair. Eles nem mesmo pensam muito antes de me deixar ir.

Caminho sozinha pra casa da minha melhor amiga, observando as pessoas voltarem com suas pranchas em baixo do braço ou pedalando pela ciclovia. Um cara um pouco mais velho passa por mim correndo com um cachorro e por um segundo penso que gostaria de ser mais como Alessandra e flertar com ele e quem sabe conseguir o numero de telefone e marcar de sair um dia.

-Acorda pra vida, Cazuza, você não vive num mundo de fantasia. - digo para mim mesma e toco a campainha.

Dona Emília é quem abre a porta para mim, ela me da um abraço apertado e diz que a filha esta na cozinha.

-O que você esta fazendo aí?

-Vou fazer três tipo de brigadeiro para comermos enquanto assistimos o novo filme que lançou na Netflix.

-Podemos fazer pipoca também? Você sabe que para mim filme tem que ter pipoca.

-Tem milho para fazer ali dentro do armário. - Alê aponta distraida, provando o brigadeiro com o dedo.

A porta da cozinha que dá para o quintal é aberta com força e me assusto. Marcelo entra acompanhado de uns dois amigos.

-Argh, - faço o som mais alto que consigo. - Tinha me esquecido que o Marcelo estava de volta.

Ele ri e me envolve num abraço e me ergue do chão.

-Saudades de você também galega.

Galega é como ele me chama desde que eu era pequena, as vezes me pergunto se ele lembra qual meu nome verdadeiro.

-Faça algo de útil e alcança o milho de pipoca para mim, por favor.

-É só isso que sou para você? Um objeto para usar quando quer e então me jogar fora?

O irmão da minha melhor amiga é quase 20 cm mais alto que nós duas e sempre aproveitamos quando o temos por perto para facilitar nossas vidas.

-Ai pelo amor de Deus, pode parar de paquerar minha amiga?! Você não tinha algo pra fazer com SEUS amigos?

-E aí Alê. - um dos meninos acena, acho que se chama Jonas e tenho quase certeza que eles ja ficaram, obviamente um dos dois não superou ainda.

-Só vim buscar as chaves do carro, já estou de saida.

-Tanto faz, so vai logo.

-Tchau irmãzinha querida, tchau galega.

Ele sai seguido dos amigos mais uma vez e noto que minha amiga esta com a testa franzida e um pouco mau humorada.

-O que aconteceu? Esta chateada por que?

Ela respira fundo e se mexe desconfortável mas não fala nada.

-Você vai ficar com rugas franzindo o rosto assim. Conta logo o que aconteceu!

-Ai que coisa chata! É que não consigo entender porque o Will ainda não me chamou para sair, ou tomou alguma iniciativa! Eu já dei todos os sinais para ele.

-E quais sinais são esses?

-Eu sempre sorrio quando ele esta falando comigo, jogo meu cabelo de um lado par ao outro, toco no braço dele e até presto atenção no que ele fala!

Uau, minha amiga realmente não tem noção nenhuma das coisas.

-As vezes ele está querendo se adaptar primeiro, antes de se envolver em algum relacionamento. Se você tiver paciência pode dar certo.

-Você sabe que paciencia não é o meu forte.

-De tempo ao tempo, Alê, tudo vai se encaixar.

-Aaah ta bom! Vou esperar mais um pouco. Mas se ele não tomar uma atitude eu vou tomar!

Reviro os olhos e simplesmente desisto de falar, tem coisas que entram por um ouvido e saem pelo outro. Termino de fazer pipoca e nos acomodamos no sofá. O novo filme que assistimos se chama 'Sierra Burgess is a Loser'.

Depois de um balde de pipoca, quase todos os brigadeiros liquidados e o fim do filme, nos duas subimos e colocamos os pijamas. Eu e minha amiga deitamos na imensa cama dela mas em vez de dormir ficamos conversando.

-Gostei do filme. - Eu digo. -Achei tão fofo.

-É eu também, se bem que nunca aconteceria na vida real. Um cara como o Jamey nunca ficaria com uma garota como a Sierra.

-Acho que é possível sim, o filme serve para mostrar como ligamos mais para as aparências do que com o conteúdo da pessoa.

-É, acho que sim. Mas com certeza eu sou uma 'rosa'.

Fico em silencio pensando no que ela diz, sobre ser uma rosa e acho engraçado porque praticamente toda minha família me chama de Girassol. Mas decido deixar isso para lá e o sono me consome em poucos minutos.

O tempo não paraOnde histórias criam vida. Descubra agora