O que resta quando se sai do chuveiro

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[Alerta de gatilho: abuso infantil]

"Se você me fizer essa proposta de novo quando estiver consciente, saiba que vou te atacar", ameaçou com todo o autocontrole do mundo, apagando a luz em seguida e desejando boa noite. Ciel sequer o respondeu, já tinha pegado no sono, diferente dele e do incômodo no meio de suas pernas.

Ato 5

───────

Em outro quarto da mansão, naquela mesma noite...

Alois nunca tinha precisado de muitas desculpas para dar em cima de um potencial parceiro, porém sabia que precisava afastar Claude o máximo possível do banheiro. Ele tinha lá seus conhecimentos sobre magia — era um demônio, afinal —, entretanto o significado que banhos tinham em sua vida desfazia a magia em segundos. Nem a água, nem o lugar, mas a sensação. E, bom, não estava nem um pouco confortável com a ideia de Claude presenciando cenas que ele levou anos para confidenciar à Ciel.

Atualmente, conseguia usar as roupas curtas e decotadas que bem gostava, porém passou por um longo período de vestes que lhe cobriam todo o corpo. Talvez fosse vergonha, talvez fmedo. Alois nunca saberia dizer. Enquanto a água gelada escorria por seu corpo, cenas de uma infância longínqua invadiram sua mente. Viu o irmãozinho correndo pelo jardim, caçando besouros como se nunca tivesse tido medo deles, porque, depois que Alois lhe mostrou a beleza de cada inseto daquele lugar, Luka sentiu que não devia mais temê-los.

Gostava daquelas lembranças, mas elas nunca duravam muito. Segundos depois, o estômago foi corroído pela ansiedade e pelo nojo. Viu o homem que odiou a vida toda. Não se lembrava mais do rosto dele, ainda que se recordasse de tudo que ele tinha feito, de todos os abusos físicos e mentais, de todas as surras, de todas as fobias e traumas gerados em Alois que tinham destruído boa parte da existência dele.

Se aquele desgraçado não estivesse morto, Alois encontraria um jeito de acabar com ele um dia.

Olhou para o próprio corpo e viu marcas, cicatrizes. Viu sangue que já esteve ali há anos, viu fluidos corporais que o faziam querer vomitar. Alois passou muito tempo com ânsia do próprio corpo, pensando se a culpa não era dele pela própria condição, mas, no fim, nenhuma vítima de estupro é culpada, jamais.

E Alois faria questão de gravar na mente para nunca mais esquecer. De qualquer forma, não se sentia confortável para expor a ninguém e ter que lidar com inconveniências.

Quando saiu do banheiro, menos bêbado do que horas atrás, com a pele lisa outra vez e sem roupa alguma, foi logo atingido por uma rajada de pano.

"Você não está na sua casa, vista algo."

"Vai dizer que não está gostando?", provocou, vestindo o pijama lentamente, ainda que Claude estivesse concentrado no próprio livro e nem o olhasse. "Vamos voltar para o que estávamos fazendo antes de você bater na minha mão", disse Alois com uma risada maliciosa. Quase tinha conseguido alcançar a cintura de Claude quando recebeu um tapa forte. Se Claude soubesse do gemido alto que por pouco não escapou da garganta de Alois, não o teria feito. Alois tinha certeza de que Claude o deixaria sozinho se tocasse nele, mas também não podia deixar a oportunidade passar.

"Vou, você me conheceu de manhã, é extremamente vulgar", reclamou, retirando os óculos e deixando-os sobre a escrivaninha. Claude usava um pijama de seda, largo sem deixá-lo com uma aparência desleixada. Preto e simples, porém parecia maldição para quem visse Claude: qualquer roupa (ou a falta dela, Alois apostava) o deixava lindo. "Vista-se e vá se deitar. Não me toque, chame ou faça qualquer coisa parecida. Apague a luz quando terminar."

"Não posso deixar uma acesa?", interrogou Alois, terminando de vestir a camisola, que parecia um dos extremos de "lençol de velho" e "pijama de criança". Era branco, largo, comprido e parecia antigo.

"Como? Vai me dizer que tem medo do escuro...?" Apesar da inexpressividade de Claude, ele esperava que fosse brincadeira. Pelo pouco que conheceu de Alois, não pensou que ele pudesse ter... sentimentos? Via-o como uma erva daninha, nada além. No entanto, não iria zombar dele, Claude odiava rebaixar as pessoas por suas dificuldades e medos — mesmo que essas pessoas fossem incrivelmente chatas, implicantes, pervertidas e intrometidas. "Tudo bem, não ligo para o que você faz. Amanhã você vai escolher outro quarto, não me sinto confortável dormindo perto de você."

"Ora, vamos, Claudezinho, não seja tão cruel com seu noivo", brincou Alois, deixando uma vela acesa antes de ir se deitar. "Já vou avisar que, se você me deixar num quarto sozinho, vou te dar trabalho."

"Mais?", indagou com um fio de indignação. Decidiu que não queria mais ouvi-lo falar e virou-se de costas para Alois.

Alois adormeceu rapidamente em um sono profundo e só acordou horas depois, quando foi derrubado da cama. Nem precisava pensar para saber quem era o único ser no mundo ousado o suficiente para ouvi-lo reclamar por uma hora só pelo prazer de jogar Alois no chão.

{...}

Ciel o encarou com raiva, esperando por uma explicação que não veio. Quando se cansou de olhar para a cara besta de Sebastian, jogou um guardanapo nele e resmungou.

"Nós vamos sair?", questionou Ciel com tédio. "Minhas roupas ainda estão fedendo."

Claude acenou positivamente com a cabeça e continuou a refeição; sinceramente, Ciel não soube se ele estava concordando sobre o estado das roupas de Ciel ou sobre a programação do dia, contudo Claude completou logo em seguida avisando que sairiam assim que terminassem o café.

Quando se deu por satisfeito, Ciel pegou uma bandeja vazia sobre a mesa e começou a servi-la, indicando que iria atrás de Alois para despertá-lo. Tinha medo de deixar essa tarefa para Claude e receber a notícia de que seu irmão tinha acabado de morrer envenenado. Não queria arriscar.

Ciel acordou o amado irmão como só ele sabia: com um puxão forte no lençol, causando a queda de Alois. O rosto dele estava amassado de um dos lados, o cabelo parecia um ninho de pássaros e a camisola o deixava parecendo uma senhora.

"Você está acabado", disse Ciel como um elogio.

"Porra, Cice. Você pior ainda, deu bastante?" Nem a sonolência era capaz de tirar a perversão do irmão.

"Que Deus perdoe sua alma desgraçada. Se você deu, meu irmão, meus pêsames, eu estou com a dignidade intocada. Levanta, vem comer. Quando você acabar, vamos sair para fazer compras."

Alois riu daquela parte de Ciel que ele tinha acesso constantemente, uma parte leve e brincalhona. Mesmo depois de tudo que já tinha passado, seu maior orgulho era viver a vida ao lado dele.

Claude e Sebastian os esperavam prontos no saguão, visivelmente incomodados por estarem um ao lado do outro. Claude avisou: "Não saiam de perto, é fácil de se perder lá e não quero ter que procurar ninguém. Vamos apenas comprar o que precisam para o mês e voltar. Nada. Além. Disso. Entenderam?"

Ciel revirou os olhos com a arrogância dele, enquanto Alois só conseguia pensar no quão gostoso ele ficava naquela roupa. Claude suspirou fundo, decidindo não se estressar hoje.

Se prometer, não case com o DiaboOnde histórias criam vida. Descubra agora