ABANDONO E VINGANÇA

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Medeia era filha de Aetes, rei da Cólquida, que possuía o velocino de ouro — lã de ouro do carneiro alado Crisómalo. Jasão e os argonautas — tripulantes da nau Argo — buscavam o velocino para que Jasão retomasse o trono de Iolco, mas Aetes o mantinha guardado por um dragão. Medeia apaixonou-se por Jasão e se opôs ao pai para ajudá-lo, salvando a vida do herói grego. Fugiu com ele da Cólquida em seu navio rumo à Grécia.

Após alguns anos juntos, Jasão a abandonou, para se casar com a filha de Creonte, rei de Corinto, e permitiu que este a exilasse junto aos filhos. Injustiçada e furiosa, Medeia não poupa esforços para se vingar de Jasão: envia um presente de casamento à noiva do ex-marido — um vestido envenenado que ao ser usado rompe em chamas e queima até a morte a princesa de Corinto e o rei. Mas não é o fim. Ela mata os dois filhos que tivera com Jasão. O poeta grego Eurípedes escreveu a tragédia Medeia, no século V a.C. 

Usando o exemplo dela, mostrou a situação das mulheres da sua época, pouco diferente da condição de escravas. Medeia renuncia a tudo para seguir Jasão. O sentido de sua vida é amá-lo, e isso ainda representa a situação de muitas mulheres. O "grande amor" é para elas o centro da existência e absorve grande parte de suas energias.

A história de Medeia retrata o efeito destrutivo que a fixação no "grande amor" pode ter. "Uma mulher que vê, no seu relacionamento amoroso com o homem, um sentido exclusivo e um conteúdo da sua vida acaba de mãos vazias quando o seu homem se dedica a uma outra ou se ela acredita não estar mais correspondendo aos ideais masculinos relativos à beleza e à atração sexual. Tendo investido todas as suas energias no relacionamento, ela agora se sente lograda."

Passados 2.500 anos dos assassinatos múltiplos promovidos por Medeia, uma chinesa que queria vingar-se do marido por ele ter pedido o divórcio explodiu em março de 2006 o edifício em que ele morava, em Ley e, no sul da China. Segundo um oficial de polícia, a mulher de 37 anos comprou o explosivo por US$23 e, com a ajuda de três cúmplices, detonou a carga no edifício residencial de três andares, deixando um saldo de nove mortos e quatro feridos.

Mas os homens suportam menos ainda o abandono. A procuradora de justiça de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, afirma que as mulheres são menos afeitas à violência física. "A história da humanidade registra poucos casos de esposas ou amantes que mataram por se sentirem traídas ou desprezadas. Essa conduta é tipicamente masculina. (...) O crime passional costuma ser uma reação daquele que se sente 'possuidor' da vítima. O sentimento de posse, por sua vez, decorre não apenas do relacionamento sexual, mas também do fator econômico. O homem, em geral, sustenta a mulher, o que lhe dá a sensação de tê-la 'comprado'. Por isso, quando se vê contrariado, repelido ou traído acha-se no direito de matar."

Um bom exemplo é a ópera Carmen, de Bizet, que estreou em 1875, em Paris. É por Carmen, a bela e fascinante vendedora de cigarros, que Dom José se apaixona e deserta da vida militar. A mulher primeiro o seduz, o faz sonhar, mas depois se apaixona por outro, o toureiro Esacamillo. Inconformado com o abandono, Dom José a apunhala no peito, perto da entrada da Praça de Touros, onde Escamillo está sendo aclamado pela multidão, após a sua atuação.

Na vida real há inúmeros casos de mulheres assassinadas por terem desejado o término da relação. Alguns são bem conhecidos. Em 1976, em Búzios, Rio de Janeiro, Doca Street assassinou Ângela Diniz, com quem vivia há quatro meses. Ângela não queria mais continuar o relacionamento e o expulsou da casa de praia. Doca, num primeiro momento, resignou-se. Saiu de casa. Pouco depois, resolveu voltar. Ao entrar novamente em casa, surpreendeu Ângela, com biquíni com uma blusa por cima, descansando em um banco. Descarregou nela sua arma. Três tiros acertaram o alvo: seu belo rosto. Com a vítima caída, mais um tiro na nuca. Ângela ficou transfigurada.

Outro crime que chocou todo o país foi o do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, ex-diretor de redação do jornal O Estado de S. Paulo. No dia 20 de agosto de 2000, não aceitando ser abandonado pela namorada, a também jornalista Sandra Gomide, na época com 32 anos, Pimenta Neves a matou com dois tiros pelas costas, em um haras em Ibiúna, São Paulo.

Para o psicólogo americano David Buss, um refrão comum aos matadores emitido para suas vítimas ainda vivas é: "Se não posso ter você, ninguém pode". As mulheres estão sob um risco maior de serem assassinadas quando realmente abandonam a relação, ou quando declaram inequivocamente que estão partindo de vez. Buss aponta dados importantes. Um estudo de 1.333 assassinatos de parceiras no Canadá mostra que mulheres separadas têm de cinco a sete vezes mais possibilidades de serem assassinadas por parceiros do que mulheres que ainda estão vivendo com os maridos. O tempo de separação parece ser crucial.

As mulheres correm o maior risco nos primeiros dois meses depois da separação, com 47% das mulheres vítimas de homicídio sendo mortas durante esse intervalo, e 91% dentro do primeiro ano depois do desenlace. Os primeiros meses depois da separação são especialmente perigosos, e precauções devem ser tomadas por pelo menos um ano.

Os homens nem sempre emitem ameaças de matar as mulheres que os rejeitam, claro, mas tais ameaças devem sempre ser levadas a sério. Eles ameaçam as esposas com o objetivo de controlá-las e impedir sua partida. A fim de que tal ameaça seja levada a sério, violência real tem que ser levada a cabo. Os homens às vezes usam ameaças e violência para conseguir controle e impedir o abandono.

O livro do amor - VOL 1Where stories live. Discover now