Uma dupla de dois hobbits

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Numa toca no chão vivia um hobbit. Não, na verdade vivam dois hobbits. Dois amigos inseparáveis, quase como irmãos. Mas não era uma toca qualquer, não uma toca fofinha com enfeites multicoloridos. Era uma toca de macho, onde dois hobbits muito machos viviam suas vidas de macho tranquilas e felizes.

O mais velho deles era Jairsinho Bolsão, cujo sobrenome deriva de um mal frequente em membros de sua família. Jairsinho tinha uma hérnia de disco deveras expressiva, o que fazia seus testículos serem maiores que laranjas. Seu amigo com o qual partilhava a moradia era Markinhos Felizi, um hobbit gordinho que ganhou seu sobrenome por ser o mais sorridente de todo o condado. Mas não ouse chamá-lo de rapaz alegre, pois isso seria motivo de uma guerra.

Jairsinho se aposentara após servir por 15 anos no exército do condado. O que significa que nunca fez nada na vida. Markinhos é o que chamam de "bardo religioso", e vivia entoando cantigas afônicas e fazendo discursos inflamados e incoerentes sobre o messias; condenando a conduta de todos que não levavam uma vida "santa". Nas peregrinações de Markinhos, em busca de fieis de bolsos cheios e gente inteligente para perseguir, Jairsinho estava sempre presente, apoiando suas investidas discursivas nos quatro cantos do mundo médio.

Naquele dia, os dois hobbits machos e inseparáveis chegaram a uma região pouco explorada no mundo médio. Era um local onde a vegetação não era verde, e sim de um tom rosado cintilante. Os animais não trotavam, dançavam elegantes. E ali, naquele pequeno e isolado vilarejo, não havia mulheres.

Assim que foram avistados pelos moradores do local, os hobbits foram recebidos de forma receptiva e calorosa. Os homens eram bem vestidos e demasiadamente belos. Seus músculos fortes e definidos se faziam perceber mesmo por debaixo das roupas.

Markinhos começou a suar, e logo Jairsinho também ficou inquieto e nervoso.

– Sejam bem vindos, nobres visitantes – entoou um homem alto e moreno. Tinha cabelos pretos longos e lisos, de um brilho cortante e admirável. – Meu nome é Pedro, e sou o administrador desse humilde vilarejo, ainda que não seja necessária autoridade entre nós, já que todos temos os mesmos anseios e ideologias. Em que o nosso povo pode servi-los, caros visitantes?

– Viemos trazer a palavra do Pai! – respondeu Markinhos, de forma imponente e despercebidamente arrogante.

– O pai de quem? – indagou Pedro – O meu ou o seu?

– O de todos nós, seu herege! – redarguiu Jairsinho.

– Mas não somos isso do que nos chama! Somos apenas homens do amor.

– Não viemos para causar conflito. Queremos apenas mostrar-lhes as palavras do salvador! – insistiu Markinhos.

– Estamos todos salvos, forasteiro. – rebateu Pedro. – Não entendo o que os senhores desejam. Aqui somos todos felizes e vivemos em harmonia. O que pretendem nos mostrar é absolutamente desnecessário. Contudo, se quiserem se hospedar em nosso vilarejo, ficaremos felizes em mostrar nossa hospitalidade.

– Jamais dormiríamos em vossas camas! – esbravejou Jairzinho, despenteando ligeiramente seus cabelos castanhos cor de mel. – Viemos até aqui por que tivemos notícias que seu povo pratica a pederastia, e isso é um pecado muito grave!

– Não entendo – disse Pedro, sinceramente confuso. – O que viria a ser pederantia?

– Pederastia – corrigiu Markinhos – significa que dormem com outros homens. E isso não é bem vindo aos olhos de Deus!

– E de que deus se refere, forasteiro? Pois não servimos a nenhum deles. Vivemos em função dos moradores do vilarejo, e não de divindades que nada fazem por nós.

– Deus só existe um, ora! O Pai, o Criador de tudo e de todos. Por acaso não conheceis o Santo Evangelho?

– Não fui apresentado a tal senhor! E, ainda que ele seja santo, não tenho interesse de conhecê-lo.

– Escutem aqui, se não nos ouvirem e aceitarem nossos conselhos, todos irão para o inferno! – bradou Markinhos, igualando sua revolta à de seu companheiro de pregação.

– Eu não entendo o que querem, mas se desejam nos julgar, então que nos conheçam de fato! – proferiu Pedro, com uma seriedade inédita até então.

Em seguida, antes de uma réplica dos dois hobbits, Pedro puxou o homem que estava ao seu lado pelo braço e envolveu seu rosto com as mãos. Os dois deram início a um longo, molhado e apaixonado beijo de amor. Em poucos segundos toda a população do vilarejo repetia o ato dos dois, e se entregavam a carícias apaixonadas com seus respectivos namorados.

Markinhos e Jairsinho pegaram suas bíblias e começaram a pregar, pronunciando de forma gritada palavras de ordem e chamando os vários nomes do seu Deus, como se exorcizassem os homens daquele lugar. Mas a falácia dos hobbits de nada adiantava, por que os habitantes daquele pacífico povoado continuavam a se beijar e se abraçar ardentemente.

Aos poucos, depois de tanto gritar e reclamar, os dois pequenos forasteiros começaram a ficarem afônicos. O suor se precipitava em gotas densas sobre a pele e chegaram a encharcar suas vestes. Longos minutos se passaram sem que aqueles homens parassem de se amar indiscriminadamente, até que Markinhos e Jairsinho não mais aguentassem e fossem embora.

Afastaram-se o máximo que puderam daquela cena, se embrenhando na mata fechada até que nenhum resquício daquele lugar pairasse no ar; até que a vegetação deixasse de ser rósea e ganhasse novamente os tão conhecidos tons esverdeados. Quando cessaram a corrida, já escurecera, e tiveram que montar acampamento por ali mesmo.

Meia hora mais tarde, já com a barraca montada e uma pequena fogueira acessa, Jairsinho e Markinhos se encararam, um fitando profundamente os olhos do outro, e o mais jovem emitiu as primeiras palavras desde a fuga do vilarejo.

– Quando vi aquilo, meu amigo, achei que não iria aguentar.

– Eu também quase não me segurei! – respondeu Jairsinho, tomando o rosto do amigo entre as mãos.

As faces, ainda suadas, se aproximaram de forma violenta, e um beijo molhado aconteceu. As línguas digladiavam-se furiosas, como se ansiassem aquele encontro por séculos.

Naquela noite, ambos desejaram ardentemente os corpos esculturais dos habitantes do vilarejo do qual fugiram, mas tiveram que se contentar com sua velha e costumeira brincadeira de esconderem seus pequeninos hobbits um na toca do outro.

Uma dupla de dois hobbitsWhere stories live. Discover now