Letra B (parte 2)

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Eu pedi a Shawn que deixasse o montinho com roupas da irmã de Romeu no seu armário do vestiário masculino, antes da Educação Física. Foi o jeito mais fácil que encontrei de lhe devolver sem ter que olhar para ele – e seu nariz quebrado – mais uma vez.

Shawn me entregou em casa. Fleuriah escapou quando abri a porta e eu precisei correr atrás dela até o outro quarteirão e voltar carregando-a no colo, sem ar.

Eu estava saindo do banho, a noite, quando minha mãe entrou pela porta carregando enormes sacolas. Ia correr para esconder a toalha manchada de roxo no fundo do cesto, ela absolutamente odiava quando sujava suas toalhas com tinta para cabelo, mas não tive tempo. Ao me ver no fim do corredor, ela lançou um olhar malicioso em minha direção e continuou seu caminho até a sala, me ignorando. Eu soube exatamente naquele instante que ela estava tramando alguma coisa.

Continuei secando meus cabelos enquanto a seguia, a alguns seguros passos de distância. Minha mãe tirou de uma das bolsas um vestido curto rosa pastel que parecia ter sido feito exatamente para mim. Tanto nas medidas quanto no modelo, que era consideravelmente decotado sem mostrar mais do que eu estava acostumada, e com rendas delicadas que ao mesmo tempo não davam um ar infantil. Era definitivamente a minha roupa nova mais bonita

-É para a recepção? – supus animada, correndo para olhá-lo de perto. O tecido era ainda melhor e com mais detalhes do que eu havia imaginado.

-Sim. Para a sua ultima recepção. – ela ofereceu um sorriso ladino.

Encarei a peça mais uma vez, encantada. Coloquei em frente ao meu corpo e me analisei no espelho, imaginando como ficaria ali dentro.

Até que franzi o cenho, colocando novamente o vestido sobre o sofá. Minha mãe parecia animada por me ver feliz daquele jeito, mas eu sabia que não seria tão fácil assim. Não depois de quebrar o nariz de alguém.

-Você quer me convencer de que comprou esse vestido lindo para eu ir a minha última recepção do ensino médio amanhã? – apertei os olhos a olhando – Tem certeza? Nenhum castigo?

Alyna abriu ainda mais o sorriso. Meu castigo estava vindo.

-Eu realmente comprei esse vestido para você se sentir linda na recepção da escola. Eu sei o quanto você gosta das comidas e achei que ele combinava com você. – ela deu de ombros.

O agradecimento veio até a ponta da minha língua, assim como o sorriso que eu ousei deixar escapar. Até ela completar a frase.

-Mas você só vai poder sair com ele, ou sem, quando limpar todo o sótão. – ela lançou de uma só vez. Leve e fácil.

Arqueei as sobrancelhas, no primeiro momento sem entender. Por fim, soltei uma risada. Aquilo só podia ser alguma brincadeira.

Quando seu rosto permaneceu imutável, eu percebi que era sério.

Muito sério. Nenhuma brincadeira.

-Ta falando sério? Quem é você, a madrasta da Cinderela? – abri a boca, perturbada – Você nunca limpou aquele lugar na vida! Tá uma sujeira! – resmunguei em choque. Ela concordou com todo o cinismo estampando o rosto.

-Eu sei. Decidi hoje que ele precisava de uma limpeza. Infelizmente não da pra adiar mais. Como você mesmo disse... o lugar tá uma sujeira.

Respirei o mais fundo que pude, engolindo todos os xingamentos e as palavras duras que eu queria colocar pra fora. Disse pra mim mesma que a recepção não valia nossa relação boa, mas aquela era uma injustiça sem tamanho.

-Mãe... a gente pode fazer um acordo... – tentei.

-Você não vai sair dessa casa enquanto não arrumar o sótão. Eu já decidi. – disse por fim, recolhendo os papeis da sala sem me dar a menor atenção.

Onde as coisas loucas estão (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora