Melanie

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Tomei mais um gole do meu café, torcendo o nariz ao perceber que ele tinha esfriado enquanto eu olhava para o nada e pensava em tudo.

É inegável que a última semana havia sido conturbada. Em casa, meus pais lutavam para ajudar meu irmãozinho Martin a se adaptar com a nova turma e a nova professora. Para autistas como Martin, "novo" é sempre um pesadelo, o que significava gritos contantes, coisas sendo quebradas, minha mãe aflita e papai completamente disperso.

Dizer que já me acostumei com essa situação seria exagero, mas a verdade é que o diagnóstico de Martin afetou a todos nós e modificou para sempre nossas vidas. Ainda assim, é reconfortante que agora saibamos com o que estamos lidando.

Martin nasceu quando eu tinha dez anos, no mesmo dia do meu aniversário, e eu sempre digo que nenhum presente que eu venha a ganhar na vida se comparará a esse. Porém, aos três anos meu doce e desejado irmãozinho ainda não falava, não fazia contato visual e não sorria.

Meus pais estranhavam, mas consolavam-se dizendo que era normal, que cada criança fazia as coisas no seu tempo e que logo Martin começaria a tagarelar por todo canto. Então, começaram as crises de choro e gritos quando lhe tocávamos. E o mundo inteiro de Martin voltou-se para um jogo de bloco coloridos que ele ganhou e que amava empilhar em sequências, sempre ordenando todos com cuidado e precisão.

A partir disso e nos próximos três anos, vi meus pais correrem com Martin para todos os médicos possíveis, em todo os lugares imagináveis, gastando até o que não tínhamos e abrindo mão de muita coisa para dedicar-se a ele, até finalmente conseguir o laudo médico comprovando o que, àquela altura, todos já esperávamos: Martin é autista.

Um ano se passou após oficializado e posso dizer que meu irmão é muitas outras coisas e que defini-lo com seu laudo seria limitá-lo. Hoje ele já fala – até demais as vezes —, mas apenas sobre o que lhe interessa que, em geral, são coisas referentes ao sistema solar.

Claro, sua comunicação é peculiar e, na maioria das vezes, nada interativa: Martin vive em seu mundo, e é lá que se sente confortável, seguro e feliz. E eu o amo infinitamente como ele é, ainda que isso tenha custado abrir mão de todos meus aniversários – porque ele não se sente bem com muita gente, abraços, gritaria e balões estourando – e de muitas outras coisas, pois precisei desde cedo adquirir a postura de irmã mais velha, madura, independente e responsável. Nem me recordo qual a última vez que meus pais demonstraram interesse sobre o que passa na minha vida, desde as coisas mais simples, até as importantes. Eu sou a filha com a qual "não precisam se preocupar" e isso aparentemente também significa não participar de nada. Apesar de não culpá-los, confesso que sinto falta. Não deles, mas de qualquer pessoa com a qual eu pudesse conversar um pouco sobre minhas tolices idiotas.

Em dias normais, sempre contava com Gabriel em momentos assim. Mas depois de ontem, me parecia besteira chamá-lo para contar sobre meus problemas tão banais. É claro que me chateava o fato de Dênis ter atualizado seu status para relacionamento sério com a garota mais popular da escola, mas a verdade é que mesmo quando solteiro, nunca tive a menor chance com ele. O garoto fazia o tipo inalcançável: lindo, atlético, charmoso e parecia ser sempre o melhor em tudo que se propunha fazer. Por ele eu nutria uma paixonite infantil, um tipo de amor platônico que me acompanhava desde a oitava série, quando caímos no mesmo grupo em um trabalho de Química. Estudamos juntos apenas mais aquele ano. Depois a turma foi dividida em duas devido ao excesso de matrículas e, como que por azar do destino, nunca mais ficamos na mesma turma, que dirá no mesmo grupo, o que significava que nosso contato era no máximo um "oi" nos corredores da escola.
Ainda assim, abrir o Facebook e ver a atualização de relacionamento sério me deixou aborrecida pelo resto do dia, especialmente porque fiquei me perguntando quando chegaria minha vez de ter alguém. Estava no último ano do ensino médio e nunca havia chegado nem perto de namorar. Já tinha beijado alguns caras, mas nunca passou disso. Ao que parecia, eu não era interessante ou bonita o bastante para que valesse a pena estreitar laços ou estabelecer uma relação de afeto e proximidade.

Sem amorWhere stories live. Discover now