Carta Dois

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— Feliz aniversário. Catorze anos, hein?

Olhei para trás. Você estava na porta da sala com um presente nas mãos. Minha casa, no momento, era pura decoração de aniversário, que minha mãe havia montado no dia anterior. Todo o pessoal da igreja e uma parte do pessoal da escola estavam por lá. Você era o único que faltava porque supostamente estaria viajando.

— Pensei que estaria em São Paulo, de férias. — Falei.

— Cheguei ontem. Aqui, teu presente.

Eu sorri e peguei o presente, envolvido em papel vermelho. Abri. Era um livro. O último volume lançado da série do Percy Jackson. Eu sorri mais ainda: era minha série preferida e provavelmente você havia tido um trabalho danado para esconder aquele livro sobre deuses pagãos de sua mãe. Pulei em cima de você com o livro.

— Obrigado.

— De nada. — Você me abraçou. — Eu sabia que queria e que sua mãe não comprou.

Senti o cheiro do seu perfume. Havia mudado, agora o cítrico se destacava no lugar do antigo amadeirado. Suas mãos recuaram, sinalizando que aquilo já era demais para um abraço de amigos homens. Bateu no meu ombro em seguida, os lábios meio tortos num sorriso. Mas seus olhos prata estavam apagados. Eu percebi.

— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei.

— Nada. — Caminhou para trás na direção da varanda. — Só terminei com a Geovana mais cedo.

Te acompanhei na direção da varanda vazia, abandonando todos que comiam e conversavam na sala. Terminou com a Geovana, processei a nova informação. Como assim? Vocês namoravam por dois anos, a despeito das críticas das irmãs da igreja de que a mãe dela era afastada e que ela usava roupas muito sensuais.

— Por quê?

Você deu de ombros e se jogou numa cadeira de praia que minha mãe esqueceu ali.

— É complicado.

— Por quê?

Sentei no banquinho do seu lado.

— Ela me traiu com uma menina. — Respirou fundo para conseguir dizer. — Disse que estava se enganando em ficar comigo.

— Ela é lésbica?

— É, ela é lésbica.

Oh, meu Deus. Você não sabia o quanto eu estava feliz. Eu não aguentava você passando o tempo todo com ela. Não que eu a odiasse. Ela tinha uma aura carismática e nos dávamos bem: o que só pode ser explicado hoje pela razão de compartilharmos um lugar no vale homossexual. Mas finalmente havia acabado.

— E como você tá?

Minha felicidade não podia atropelar a sua.

— Eu tô bem. — Você suspirou. — Só meio chateado.

Eu te encarei. É, você estava chateado. Engoli minha felicidade e desviei os olhos para o pôr-do-sol no horizonte da cidade pequena em que vivíamos. Seu término não implicava que iria me beijar agora. Embora eu quisesse isso, estava consciente de que não iria rolar. Então eu ficaria com você para te ouvir. Não importava o resto.

— Quer dizer. — Você riu. — Ela me traiu com uma menina.

— Algum problema especial com essa parte?

O fato de eu ser gay e o fato de que eu querer seu corpo nu estavam cada vez mais latentes na porta de minha consciência. Não havia como negar depois do incidente da ereção após secar você sem roupa e nem depois de todas as punhetas silenciosas que eu havia tocado no quarto, à noite, pensando em você. Impossível.

minhas razões para ir embora (ROMANCE GAY - FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora