Capítulo 27

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Matteo

Como se não bastasse a noite turbulenta que eu tive flutuando entre pesadelos, tenho a notícia de que Klara está em uma cirurgia, que deveria ser algo simples e rápido mas ouço um dos enfermeiros comentar que as coisas não estão indo como esperado e até o cirurgião de plantão está preocupado 

Quando me aproximo mais para ouvir mais eles apenas dão um sorriso amarelo dizendo para não me preocupar que logo ela vai sair e ir para o quarto mas pelo tom de voz deles eu duvido muito que isso possa acontecer e volto para minha poltrona olhando para o par de portas brancas esperando ver o cirurgião em breve

Vou até o balcão de informações perguntando novamente sobre Klara contudo ela apenas me diz que a cirurgia dela demonstrou algumas complicações devido há um histórico de doença congênita e que se eu quisesse mais informações deveria sentar e aguardar o cirurgião voltar da sala mesmo já se passando oito horas desde que chegamos aqui e já estou sem alternativa do que fazer e não aguento mais ficar encarando as paredes ou a porta a espera de alguma notícia 

Contudo ela me diz que assim que eles a liberarem para o quarto eu vou poder vê-la e que em casos como o dela mesmo sendo um paciente maior de idade eles podem permitir um acompanhante para ficar de olho caso algo aconteça na recuperação e não haja nenhum enfermeiro no quarto de momento

Não sei ao certo se devo me senti confortado ou ainda mais preocupado com esse fato mas agradeço por tudo e decido sair um pouco para ver se consigo me acalmar um pouco e esperar até o final da cirurgia sem acabar parando em um dos quartos por ter um ataque cardíaco

Abro a porta do hospital parando um pouco afastado da sala de emergência e olho para o celular já quase sem bateria constatando que são quase sete da manhã e olho para o céu claro e azul procurando por respostas ou algum consolo para essa confusão toda e me lembro do sonho que tive com a minha mãe

Não sei ao certo o que foi aquilo mas lembro que senti a presença dela do meu lado naquele barco, lembro da sensação de conforto que não sentia a muito tempo e em como eu queria voltar a sentir essa sensação mas dessa vez de forma permanente, sem ter que me preocupar com mais nada, sem ter medo de perder mais alguém 

Penso em tudo o que já aconteceu nessa vida e em tudo o que eu consegui fazer até agora, por mais que não pareça eu tive algumas conquistas importantes, como meu diploma da faculdade e meu emprego como juiz, meu apartamento e até mesmo nas minhas amizades mas penso em como as coisas poderiam ser diferentes se eles estivessem comigo, será que eu teria o mesmo emprego, o mesmo estilo de vida...Não com certeza eu teria mudado muitas coisas e quem sabe até mesmo não teria casado e tido meus próprios filhos

Rio baixo desse devaneio bobo e não consigo me imaginar sendo pai, não agora, como eu posso ser exemplo para alguém se não tive o melhor exemplo para mim que acabei perdendo meu pai e tive que crescer com meus tios que não passam de bêbados pegadores de mulher sem o mínimo senso do que é certo

Olho ao redor quando uma figura branca se aproxima de mim tocando meu ombro e percebo que é um enfermeiro que falou comigo entre algum dos pesadelos que tive me perguntando se eu estava melhor e se poderia acompanhar ele e pelo seu olhar sério e tom de voz calmo sei que as coisas não foram tão boas quanto eu estava rezando para ser

Ele me leva para dentro da ala de internação e olho para as inúmeras portas distribuídas igualmente por ambos os lados imaginado em qual delas Klara vai estar contudo ele continua entrando nesse labirinto quase interminável até pararmos em frente um par de portas de vidro aonde posso ver claramente a sigla U.T.I escritas em vermelho seguida de diversas instruções de segurança e higienização

- O dr gostaria de falar com você por alguns momentos, se puder esperar aqui...ele está acomodando sua amiga em um dos leitos e logo vem falar com o sr - Apenas concordo com a cabeça ainda atordoado por saber que ela está na lá dentro, no lugar mais seguro e que guarda os pacientes com maiores riscos de vida enquanto observo ele entrar pela porta sumindo em uma sala qualquer

Cruzo os dedos torcendo para que não seja o que eu estou pensando e que ela só está ai até seu quadro estabilizar e logo já estará em um quarto qualquer mas algo dentro de mim já fica apavorado com a mínima possibilidade das coisas estarem por um fio para ela e eu a perder também, posso suportar muitas coisas nessa vida ainda mas perder a Klara e saber que eu fui um dos responsáveis por isso por não ter prestado atenção nela é algo que eu não consigo suportar 

Vejo um senhor de cabelos grisalhos sair da sala e falar algo para a pessoa dentro do quarto antes de virar o corpo em minha direção e respirar fundo caminhando firmemente até atravessar as portas e quando ele se aproxima percebo as olheiras marcantes e o jeito já esgotado dele assim que ele indica uma cadeira para sentarmos

- O sr que ligou para ambulância sobre a paciente Klara Bunckle ? Devo dizer que se não fosse sua ligação ela não teria resistido...

- Mas e como ela esta ? Porque ouvi que a cirurgia era de risco ? Porque demoraram tanto e ela está na U.T.I ?

- Bem, é um fardo para mim como médico cirurgião chefe ter que submeter meus pacientes a ala de tratamento intensivo e sei que isso deixa a todos os entes queridos muito preocupados mas em casos como o da srta Bunckle é o melhor a se fazer... Ela possui uma doença congênita que dificulta a coagulação do sangue em casos de ferimentos e há algum tempo atrás ela apresentou gastrite nervosa e foi prescrito para ela um medicamento para auxiliar na coagulação do sangue nessa ferida junto com um antiácido

- Mas o que isso tudo tem haver com ela estar internada na UTI ? E porque ela não havia me dito que era algo tão sério assim ?! Uma dor de estômago não chega a ser algo tão sério a ponto de levar a uma cirurgia de risco que dura horas - Minha voz começa a soar desesperada e sinto a garganta se fechar conforme meu olhos vão marejando  

- Sr...Por favor se acalme, de fato uma gastrite nervosa não chega a ser algo grave a esse ponto, porém sua amiga, misturava medicamentos que causavam uma interferência entre si levando a efeitos colaterais...e esses efeitos colaterais que foram perigosos... Quando você a encontrou ela estava no chão do banheiro certo ? - Apenas concordo com a cabeça tendo uma lembrança do ocorrido - Pois bem...Eu acredito que nessa queda ela tenha batido a cabeça com força a ponto de romper um vaso do cérebro e como ela possui dificuldade em coagular o sangue essa ferida se tornou potencialmente perigosa

- Perigosa...a que ponto ? Ela poderá ter alguma sequela futura ?

- Ainda é cedo para dizer, mas em casos como esse apenas teríamos internado o paciente e prescrito as medicações para conter o sangramento, contudo...durante o trajeto um dos enfermeiros identificou um pouco de fluído cerebral saindo do ouvido dela...e por isso tivemos que recorrer a uma microcirurgia para aliviar a pressão craniana e já conter o sangramento e para maior segurança na recuperação eu decidi induzir a paciente a um coma, ou seja ela vai ficar cerca de uma semana desacordada para termos certeza de que não haverá sequela nenhuma

- E...porque me chamou aqui ? Poderia ter apenas me dito isso na própria sala de espera, agora eu já não sei o que fazer...Não quero abandonar e não vou abandonar ela aqui mas não posso ficar na expectativa de supor que ela não vá ter nenhuma sequela futura 

- O sr, poderá ficar como acompanhante dela aqui, não costumamos permitir esse tipo de atitude ainda mais em casos com internação na UTI mas sinto que não posso deixar uma coisa assim passar, porém o sr não poderá ficar entrando e saindo muito já que precisando manter essa área longe de infecções externas mas se me prometer que irá seguir os protocolos de contenção a risca não vejo mal em que fique com ela 

Começo a respirar mais aliviado prometendo todo tipo de coisa pra o médico garantindo que não vou fazer nada para prejudicar a melhora da Klara e ele concorda me fazendo assinar uma série de documentos pedindo para que eu pegue o necessário em casa pois só poderei sair a cada dois dias tendo que refazer o protocolo de segurança todas vezes e assim que ele em explica tudo não demoro muito para ir em casa pegando apenas o essencial para ficar ao lado dela

Mas assim que volto e eles permitem que eu entre no quarto confesso que não estava pronto para o que estou vendo

Rei da noiteWhere stories live. Discover now