Capítulo 6

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Ethan me leva ao Carmine's, um restaurante italiano conhecido de Nova York, com muito falatório e quadros pendurados na parede, quase da para se sentir em algum filme da máfia italiana. Escolhemos uma mesinha mais afastada da confusão e, quando a garçonete se aproxima, Ethan pede um vinho e o prato do dia, me garantindo que este é a melhor escolha no Carmine's.
Depois daquele momento constrangedor no restaurante e da cena patética na rua, o clima entre nós está muito melhor. Lloroy ainda é muito fechado e parece sempre um pouco distante, mas enquanto conversamos amenidades, ele até aparenta leveza.
Quando nosso prato chega, massa com molho e almôndegas, não posso deixar de sorrir. Ethan me olha confuso.
- O que foi?
-O prato. - Respondo enrolando o macarrão no garfo. - É como em A Dama e o Vagabundo.
Ethan leve um segundo para entender, mas não sorri como eu. Com certeza não foi como uma daquelas crianças que assiste a Disney compulsivamente.
- Elisa, eu sinto muito, eu não queria... Você sabe - Ele se enrola todo e preciso de um tempo para entender o que parece tão errado, A Dama e o Vagabundo é um desenho tão bonitinho! De repente, então, me dou conta. A história da cachorrinha rica que sai com o cachorro vira lata. A nossa discussão de mais cedo. Nossa, o destino às vezes é bem irônico.
Eu sorrio, quero que ele desfaça essa cara de desesperado e entenda que está tudo bem.
- Relaxa, eu sei que não fez por mal. A vida, às vezes, é bem sagaz.
Ethan, enfim, suspira, me dando um meio sorriso.
Com certeza ele deveria sorrir mais vezes.
O almoço é bem mais agradável do que eu poderia imaginar, apesar do celular dele não parar um minuto quieto, o que começa a me deixar irritada. Ele checa a última mensagem antes de colocar o aparelho no silêncio e joga-lo no bolso.
- Desculpa, é trabalho.
- Você trabalha com o que?
Me dou conta de que não conversamos muito um sobre o outro e que, de verdade, não chegamos a nos conhecer tão bem.
- Empresas.
Reviro os olhos. Típico. Isso o faz rir.
- Sim, eu entendo, combina com todo o visual, ne? - Por que ele sorri tão pouco? Ele fica tão mais bonito assim. - Mas eu gosto do que eu faço.
-Eve disse que você é bastante ocupado...
Ele termina de comer um pedaço da almôndega e responde.
- Sim, um pouco. Eu costumo comprar empresas que estão falindo para poder reergue-las depois. Normalmente demanda muitas reuniões e propostas, então sim, um pouco ocupado. Inclusive tenho uma reunião muito importante hoje à noite, por isso tantas mensagens.
Ficamos em silêncio, terminando nosso almoço. Quando os pratos são retirados e nossas taças completadas, Ethan me encara.
- Eu sei o quanto fui rude e estúpido com você hoje, Lisa, desde o primeiro instante. - Ah, não! Estava sendo tão gostoso nosso almoço, não quero estragar tudo relembrando nossas desavenças. Faço uma tentativa de interrompê-lo, mas Ethan não permite. - Eu sei que é chato, mas eu sinto que preciso me explicar.
Observo sua mão girar a taça de um lado para o outro. Ele não me encara quando recomeça a falar.
-Minha mãe é a pessoa mais corajosa que eu conheço. Sabe, pode não parecer, mas a vida dela não foi fácil... Também não foi a primeira vez que ela se machucou feio assim...
-Ela me contou. - Interrompo, satisfeita com poder falar um pouquinho. - Eve disse que é muito distraída e por isso vive se machucando. Contou até sobre uma vez que ela caiu...
- Sobre o piano da Sra. Walsh e quebrou as teclas do instrumento. - Ethan, cabisbaixo, completa com um suspiro.
-Sim.
-Elisa... - Ele me olha nos olhos. Existe um pesar tão grande neles que faz toda a comida se revirar no meu estômago. - Ela não caiu sobre o piano. Ela foi empurrada.
- O que?
Minha cabeça gira vertiginosamente tentando acompanhar o que Ethan quer me dizer. Algumas peças começam a se juntar, mas não sei se quero entender.
- Meu pai não era um bom homem, Elisa - Ele passeia os dedos pela borda da taça, sem conseguir encarar de novo os meus olhos. - Ele era rude e estúpido. E em algumas noites, especialmente violento. Era rico e bem agradável aos olhos da sociedade, mas era um monstro dentro de casa.
Ele esconde a cabeça entre as mãos para se recompor. Meu coração se parte a cada nova palavra dita por ele.
- Eu passei a minha vida inteira escutando os gritos dela, Lisa, porque a mamãe sempre foi uma mulher incrível, mas nunca forte o suficiente para deixa-lo. Uma noite, quando eu tinha uns doze anos, ele bateu tanto nela que seu rosto ficou irreconhecível. Eu implorei para ela deixá-lo, eu nunca havia implorado por nada em toda minha vida e sabe o que ela me disse?
Eu nego com a cabeça, sem conseguir pronunciar uma única palavra.
- "Eu o amo, Ethan, com todo o meu coração. E as marcas que ele causa em meu corpo doem muito menos que o vazio que ficaria se ele fosse embora.”
Eu preciso segurar a boca com as mãos para não soluçar. É muito fácil julgar Eve, ou Ethan, pela aparência ou pela conta bancária, mas a verdade é que todos nós guardamos segredos, lembranças, como uma cruz pessoal que precisamos suportar o resto da vida. Nossos monstros particulares.
Eu estico minha mão até alcançar a de Ethan sobre a mesa, ele me olha antes de segura-la. Pelo seu rosto caem lágrimas dolorosas.
- Então... - ele continua, agora brincando com seus dedos entrelaçados aos meus. - Qando eu te vi chegar com ela naquele estado, doeu como se eu tivesse doze anos de novo, acabei na defensiva, descontando tudo em você. Sei que pode não fazer muito sentido, mas...
- Faz. - seguro bem firme a mão dele. Pode não parecer, mas eu entendo. Foi como se ele revivesse seu pior pesadelo.
-Eu fiquei assustado, Lisa, eu agi como um menino assustado querendo te mandar embora. Fui um babaca estúpido e... - Nos encaramos e ele me sorri. - Você tem razão, eu não pareço ter vindo dela, porque eu sou muito mais como ele...
-Não!
Minha voz sai alta o suficiente para fazer a mesa ao lado nos olhar, mas eu não me importo. Queria poder abraçar Ethan e dizer o quanto ele está errado, o quanto ele se machuca pensando assim, o quanto está perdendo se fechando para a vida, mas eu não consigo. Tudo parece errado ou pouco demais para ser dito, então, apenas seguro bem forte sua mão e olho bem fundo em seus olhos azuis. - Você não é como ele, Ethan, nenhum pouco. E sabe? Eu vi como você cuidou da sua mãe, com  carinho e preocupação. Nenhum monstro demonstraria tanto amor.
Ele se ajeita na cadeira, mas sem soltar nossas mãos. Seu rosto vai se relaxando aos poucos, até um sorriso escapar dali.
-Você parece uma boa pessoa, Lisa Marshall.
- E você é um bom homem, Ethan Lloroy, mesmo que eu tenha que acreditar nisso por nós dois.

Little Christmas TreeWhere stories live. Discover now