III

39 15 0
                                    

O almoço foi melancólico e mais tarde, no meu quarto aquelas flores ficaram, e quando fechava os cortinados do mesmo o deixando escuro, as flores abriam uma por sua vez e o seu brilho poderia ser comparado a uma vela acesa iluminando todo o espaço. Voltei a abrir os cortinados e elas fecharam-se por agora, a luz as chateava, incrível, nascerem no meio de algo tão diferente delas e são tão lindas.

Estava agora sozinha, então corri para a biblioteca como se ela pudesse fugir de mim. O meu vestido negro esvoaçava quando eu me movia depressa, as empregadas me desejavam uma boa tarde e eu retribuía apressada, este era o meu dia a dia, todos sabiam para onde ia e o que eu ia fazer, era mais que óbvio. Abrindo a porta, dei de caras com prateleiras carregadas de livros, tantos que eu posso ler em toda a minha vida, eu sou a única que ainda vem aqui, tirando os empregados que fazem a limpeza todos os dias. No centro da biblioteca está uma poltrona acompanhada de um criado mudo, sobre ele estava um livro, um livro da Terra que eu estava a ler com grande gosto, O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, um poeta, ator e dramaturgo que nasceu em 1564. Peguei no livro e nem pensei duas vezes, corri para o jardim menos frequentado do palácio, e na minha opinião o mais bonito.

Quando os meus pés pisaram a relva, apenas mais cinco passos dei até me sentar no chão, por baixo de uma Azinheira grande e robusta na qual eu passava muitas horas na sua companhia. Abri o meu livro, e comecei a ler de onde tinha parado, mal me tinha dado conta que já lia em voz alta.

-Se fazer fosse tão fácil quanto saber o que seria bom fazer, as capelas seriam igrejas, e as choupanas dos pobres, palácios de príncipes.- Dizia eu, tão enrolada na minha leitura, que minutos depois, nem me dei conta de alguém mais na minha presença.

-Sábio é o pai que conhece o seu próprio filho. Disse Lancelot ao Gobbo.-Olhei para cima e vi Lúcifer, o meu pai. Nunca pude crer, que gostava de literatura, seria uma piada pensar, que o rei do inferno apreciava tais coisas, mas surpreende-me por vezes, com citações e passagens de poesias de portas famosos na Terra, que por obséquio, tiveram como última casa, o céu. Incrível. Encostado no tronco da árvore, ele se senta igual a mim, ficando sobre boa parte do meu vestido.

-Gostava de saber como é que o pai, sabe tais coisas, nunca pensei que gostasse de literatura.-Ri levemente, e fechei o livro marcado por uma negra pena.

-Não tenho tempo para isso, mas quando posso dou uma vista de olhos em uma ou duas páginas.

Eu ri. Irónico como o feitiço se virou contra o feiticeiro.

-O pai, nestes tempos, têm ocupado os humanos com coisas nada importantes, tirando-lhes o tempo para estar com a família, amigos e irem à própria igreja, e mesmo o senhor, não tem tempo.-Rio irónica.

-A vida é feita de sacrifícios, talvez esse seja um deles.-Me respondeu, e colocou uma das madeixas de cabelo que estavam soltas do meu penteado, para trás da minha orelha.-Podes ler um pouco para mim?-Perguntou-me.

-Posso.-Olhei o meu livro e sem questionar, abri-o na zona marcada, no Acto 5, Cena 1.- Belmonte. Avenida a caminho da casa de de Pórcia[Entram Lourenço e Jessica] Lourenço- Digo com ênfase no seu nome.- A lua reluzia brilhante.­/ Numa noite como esta,/ Quando o doce vento beijava gentilmente as árvores / E elas sem fazerem ruído,numa noite destas ­­/ Troilo, pensou, escalou as muralhas troianas/E abandonou a alma num suspiro em direito às tendas gregas /Onde Criseida dormia nessa noite.-Paro e o olho.

-Gosto muito de ouvir a tua voz, lendo poesia. Gosto muito da tua voz filha, fazia-me lembrar a tua mãe.- Disse ele, da forma como ele falava parecia que ele queria saber mesmo da minha mãe, da mesma forma de nunca nem ter mencionado o seu nome. Eu calei-me, nada tenho eu para lhe dizer, e nada mais para aliviar o meu coração, porque o ódio e a mágoa que ficam connosco, apenas nos tornam mais fortes e mais capazes de superar todas as situações que vierem pela frente. Os pássaros à minha volta já não cantavam, como se soubessem como estava o estado do meu coração.-Há algo que eu quero-te dizer à uns dias e que ainda não tive oportunidade de dizer e...-Sem lhe deixar palavrear mais qualquer palavra, o sino da torre mais alta toca as suas badaladas, já eram sete e meia da tarde.

-Pode esperar?-Ele se levanta para que eu pudesse fazer o mesmo, já que ele estava sobre parte do meu vestido.- Tenho que ir levar o livro à biblioteca.- Corro para a saída.- Nos vemos no jantar.- Sem pensar duas vezes corro para a biblioteca, com pressa, porque devem estar quase a servir o jantar e não quero ser a última a chegar, porque aliás, estou cheia de fome. Coloco o livro exactamente no mesmo sítio onde eu o deixo sempre. Corri para casa de jantar, e abrandei o passo quando cheguei à porta. No mesmo instante a porta abre-se e eu entro, já estavam todos à mesa, menos Leviatã, que com certeza devia estar a preparar as suas coisas para a viagem à Terra. Não dou muita importância a esse tema.

-Boa noite.- Comprimento todos os que estavam à mesa, e eles melancolicamente se levantam e me cumprimentam, e eu  sento-me. Os rostos de quem me olhava,diziam-me que algo se passava, sentia que algo me escondiam. Eu sinto, eu sei que sinto. As suas auras estão agitadas, em excepção a Leonardo, a sua estava calma mas continuava em tons vermelhos carnais e fortes. Sem qualquer descrição, eu digo com a minha curiosidade bem explicita na minha cara:

-O que foi? Fiz algo que não devia?-Pergunto, sem qualquer descrição, eu quero mesmo saber.

-Ela ainda não sabe?-Perguntou Asmadeus, colocando o copo de vinho sobre a mesa.

-Para estar tão calma com certeza que não.-Retorquiu Belfegor.

-Contar-me?Contar-me o que?-Olho para o meu pai.

-Vai Lúcifer. Conta-lhe.-Disse Olivier, um membro do concelho, ele está ligado à crueldade, todos têm uma função, são como ministros.

São raros os momentos em que o meu pai guarda-me algum segredo, e o facto de ele  esconder-me coisas deixa-me preocupada. Será que ele perdeu a confiança em mim?

-Eu queria ter-te contado mais sedo, mas não me deu tempo para isso, e eu admito que não tinha coragem para te dizer Isis.- A sua mão fria, se coloca sobre a minha.- À três anos, prometi a Leonardo que se ele e a sua família decidissem vir para o inferno com todas as suas riquezas-Ele suspira antes determinar.- dava-lhe a tua mão em casamento.- Não me dei nem ao trabalho de pensar se tinha ouvido bem ou não, tirei a minha mão depressa impedindo que ele me toca-se mais, e me levantei de tal modo rapidamente, que a cadeira ao arrastar emitiu um som irritante para todos os que ali estavam presentes.

-Como foi capaz.-Digo irritada.- O pai não tinha e não tem esse direito. Vender a própria filha por- Faço gestos muito aleatórios com as mãos.- por... por coisas que não têm sentido algum. Qual era a necessidade. Passamos fome? Estamos na pobreza? NÃO!

-Isis eu...-Disse ele, não quero ouvir nem mais uma palavra que saia da sua boca.

-Não.Pare. Não me dirija mais a palavra.- dirijo-me à porta e alguém  segura-me a mão. Era Leonardo, mesmo a culpa não sendo propriamente dele no geral, não consigo mais ter tolerância.

-Princesa espere.-Ele levanta-se ainda segurando a minha mão, e eu a retiro para mim.

-Largue-me.-Quando saí ainda consegui ouvir dele.

-Vou atrás dela.

Eis que meu tio, Azazel, pelo qual terei sempre muito respeito, o contrariou.

-Não.Deixe-a ir. Será melhor para ela.- Eu corri, e não olhei para quem se cruzava comigo. O meu objectivo era apenas sair, estar sozinha e pensar. Ninguém ainda pode-me privar de pensar eu acho. Só se usarem compulsão. 

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Nov 03, 2019 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Isis - A Dona do TronoWhere stories live. Discover now