Quatro folhas

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*Ana Clara*

A Vitória foi, certamente, o presente mais lindo que recebi em muito tempo. As coisas andavam muito confusas desde que o Felipe apareceu em nossas vidas com o Tiago, com propostas de gravação e de uma carreira musical e eu estava muito desesperada com a possibilidade dessa proposta ser real, de nos mudarmos mesmo pra SP como o Felipe propôs. O que diabos eu iria fazer em SP? Largar a medicina pela música?

Tá certo que meus pais me apoiaram, embora não acreditassem que isso fosse mais que uma brincadeira de mal gosto, papai foi até comigo e a Vi pra conhecer o Felipe, mas ele só foi porque achou que eu poderia ser sequestrada ou algo assim. Agora que era sério, ele mal tinha falado comigo sobre isso, afinal a Vi tava com a gente o tempo todo na viagem.

E as minhas composições? Estariam lá no palco, na rádio, pra todo mundo ver e ouvir. Eu não sabia se estava pronta. Ainda não sei. Mas e a Vi? O Felipe falava e eu ficava olhando aquele sorriso bonito que ela dá quando está animada, ela me olhava como se dissesse que tudo vai ficar bem. Acabamos não decidindo nada oficialmente, ficamos de conversar mais uma vez. Voltei pra Minas e a Vi foi pra Araguaína com meu pai.

As semanas passaram e eu mal notava. Parecia que a faculdade não me prendia a atenção nem por uma aula sequer. Eu ficava remoendo aquela história de SP, Vitória, música. As mensagens e conversas de vídeo com a Vi eram tão intensas que parecia que morávamos juntas, embora ela estivesse no RJ e eu em MG. Letícia continuava a se maltratar em ciúmes que eu já nem sabia se eram assim tão infundados.

Acordei em uma manhã de quinta-feira com meu celular tocando descontroladamente. Atendi o celular sem abrir os olhos e sem acordar completamente:
-Hm.
-Oi, Doutora Ana Clara Caetano, será que você poderia acordar? – A voz parecia muito animada.
-Vi? Que que foi? São 4 da manhã! – Falei ainda sonolenta e muito confusa.
- Será que a doutora poderia abrir a porta e atender uma paciente que está exausta de uma viagem matinal? – Vitória agora parecia brincalhona.
-Hã? – Fiquei ainda mais confusa.
- NaClara, levanta e abre tua porta, fazendo o favor. – Agora ela parecia impaciente com a minha sonolência.

Vesti uma blusa que estava pendurada na cama e saí cambaleando pela casa sem compreender o que estava acontecendo. Abri a porta, como Vitória mandou e lá estava ela, sorridente, linda, de mochila e em carne e osso. Eu mal consegui dizer algo, meu coração parecia se rebelar em meu peito implorando que eu a abraçasse logo e eu fiz. Vitória não imaginava o quanto um simples abraço dela me fazia falta nesses últimos dias e eu mesma não imaginava o quanto aquele cheiro me fazia falta, até aquele momento. Depois que a Vi entrou em meu apartamento, percebi que nem meus dentes estavam escovados, tranquei a porta e fui correndo para o banheiro, Vitória começou a me chamar, mas eu já estava trancada.

- Na Clara, que foi? Cê quer que eu vá embora? Eu achei que te deixaria feliz, é porque eu tava com saudade e com esse papo de poder gravar com o Felipe, eu pensei que você queria me ver. Desculpa se eu não avisei é que – Vitória parecia muito aflita.

- Ô Vitória, eu só precisava fazer xixi, escovar os dentes e lavar a cara – Respondi rindo e abrindo a porta do banheiro, ainda escovando os dentes.

Ela ficou me olhando em silêncio enquanto eu escovava os dentes, sua feição parecia confusa. Assim que terminei a escovação, saí do banheiro a chamando para a sala do pequeno ap. em que morava. Fui até a cozinha que se dividia com a sala no modelo cozinha americana e comecei a preparar um chá de maçã com canela pra gente. Eu faria um café, mas a Vitória não gosta de café.

Ainda fazendo nosso chá, percebi que Vitória se debruçava sobre o batente que dividia a sala da cozinha e que seus olhos estavam grudados em mim. Comecei a pensar em para onde ela estava olhando e em como eu estava horrível, descabelada, com cara de sono, e vestida com uma cueca e uma blusa velha. "Ué, Ana Clara, vocês são amigas, que diferença faz sua roupa?" pensei, tentando afastar pensamentos estranhos da cabeça.

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