11. Tulipa: o vaso de lésbicas e afins

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— Às 19 horas eu estarei aí -, disse desligando o telefone. Era preciso marcar a minha terapia e confesso que foi mais fácil do que pensei. O bloqueio esteve em mim desde o começo.

Escolhi fazer análise com um tradicional psicanalista freudiano. Queria uma intervenção que não passasse pelo mesmo processo psicoterapêutico que eu exercia e nem tão longe do que eu já sabia. Eu sei que essa escolha ainda me permitiria manter o controle sobre mim e os meus pensamentos, mas não consigo me ver totalmente na mão de alguém. Isso me deixa vulnerável. Devagar eu vou cedendo. Tudo é um processo!

Esse sou eu. Respeito demais o meu tempo interno. Às vezes me chamam de procrastinador, mas, não sou. Eu apenas avalio bem antes de tomar decisões e agir. Gosto de ter o controle, de não de tudo, pelo menos de todas as informações. Admitir isso não é fácil e isso já é um começo. A vida me fez desconfiado demais.

Costumo dizer aos meus pacientes que a vida nos dá de presente aquilo que sabe que um dia usaremos e, se sou desconfiado demais, isso deve ser por uma boa causa. Um dia descobrirei aonde fazer uso disso.

Ela bateu na porta e interrompeu meus pensamentos. Colocou a cabeça pela porta como uma criança faz e com um grande sorriso perguntou: — Posso entrar?

Levantei e apontei a cadeira. Ela entrou com um embrulho de alumínio na mão. Dessa vez esteve de vestido florido longo de vermelho e branco. Notei que tinha feito dreads com lã preta e vermelha. Estava com lápis no olho e bem maquiada.

— Está muito bonita, Tulipa! -, não tinha como não notar a mulher linda que ela estava. Era uma gorda de rosto redondo liso e pele aveludada. Me parecia tão diferente desde a última vez!

— Trouxe um bolo que a minha mãe fez; é para o senhor. Acho que não fui muito legal na primeira vez que vim.

— Olha, eu também não fui, mas não trouxe um bolo para recomeçar, mas posso dividir o meu com você se aceitar.

— Ele é irresistível, mas comecei uma dieta. Acho que aquela dura que você... perdão, o senhor... me deu, estava sendo necessária. Eu tenho mesmo a mania de ser mandona e acho que as coisas têm que ser do meu jeito. Mas, quando o senhor fez aquele dedinho para mim, eu entendi que eu precisava parar.

— Pode me chamar de você. Se importa se eu guardar o bolo para comer mais tarde?

— Não. É seu agora!

— Continue me falando sobre a última vez.

Ela disse sorrindo: — Bom. Vamos voltar ao dedo. Porque na hora a minha vontade era de me levantar e quebrar ele. Odeio dedos, Seu Jorge! As pessoas sempre apontaram o dedo para mim desde pequena. Quando criança eu era de aguentar as coisas caladas porque na minha família meus avós e minha mãe sempre me controlaram com o dedo erguido. Parecia um monte de maestro regendo uma orquestra. Peguei ódio mortal dos dedos. Acho que me feriram bastante; mas, eu entendo que alguns, foram para o meu bem, como os de meus avós e de minha mãe... e agora o seu.

— Essa forma como você está se colocando me demonstra que você discrimina bem os fatos e isso é muito bom Tulipa. Mostra uma evolução. Não me leve à mal, mas da semana passada para essa, a sua forma de falar, a sua educação, seu jeito de vestir mudou muito. Parece menos ansiosa.

— Foi mesmo! Aquele dia eu estava meio empu... (tampou a boca). Desculpa!

— Pode falar palavrões. Hoje tá liberado!

— Então... eu estava meio irritada naquele dia porque a minha mãe tinha brigado comigo e me dado um ultimato por causa da minha ex. Assim que ela largou de mim eu voltei para a casa de minha mãe. (Apresentou um olhar mais fixo e contemplativo). Para mim é difícil esse retorno porque é como se a gente andasse para trás e eu sempre disse para a minha mãe que quando eu saísse era para sempre! Aí apareceu a "maléufica" e, eu acabei acreditando no amor dessa danada. (Disse com carinho). Eu ainda gosto muito dela! Mas, como dizia eu não ia sair de casa até achar alguém que amasse e quando saísse era para construir família e com ela eu achei que fosse diferente! Antes de sair minha mãe pediu para não ir. Disse que não confiava nela. Que ela ia me trair... (Começou a escorrer uma lágrima). E ela me traiu. Não foi uma, não foi duas... "foi" várias vezes no decorrer de 7 anos. Eu sei que a minha mãe tentou me avisar, mas eu sempre tive uma diferença com a minha mãe, porque eu sei que ela não me acha bonita. Eu sou a gorda e descontrolada da família. Para minhas irmãs ela sempre oferecia três quatro vezes para comer as coisas, quando ofereciam para mim ela dizia: "não oferece porque você corre o risco "dela" aceitar e vocês "ficar" sem". Sempre rolou essa diferença entre minhas irmãs e eu por parte da minha mãe. Eu acho que é porque meu pai se separou dela quando ela ainda estava grávida. Ela surtou e concentrou toda a raiva em mim. Isso me dói. Por isso que eu também não queria voltar para a casa.

TRANSLUCIDAMENTEWhere stories live. Discover now