Prólogo

3 0 0
                                    


Mário apostou que toda a calçada em frente o novo shopping devia ter, na melhor das hipóteses, uns seis quilômetros; Eduardo, seu ajudante, chutou cinco. No fim do dia Eduardo levaria para casa um engradado de cerveja gelada, que provavelmente poderia trincar até a alma. O Novo Shopping, como era chamado, era uma construção ousada, imperava sozinho em uma das mais movimentadas avenidas, a linha 14. A estrada era larga e comprida, escassa de pedestres e infestada de carros, perdia-se de vista; Do lado esquerdo a construção se erguia, cercada de guindastes e andaimes. Daqui a pouco estará cheio de lojas infernais, onde gente de merda vai gastar a porra do dinheiro, Mário pensou, enquanto levava as mãos sobre os olhos, tapando os raios de sol que o tornavam momentaneamente cego. Nos últimos meses Mário era encontrado freqüentemente estressado, com a testa arqueada e cara fechada, andava resmungando e gritava com todos; com os estagiários mais ainda. O prazo para a entrega da obra era de dezoito meses, e ele já estava atrasado em três; andava procurando defeitos em cada andar, em cada parede, em cada prego. Reclamava desde a encanação até a quantidade de massa entre os tijolos, começou a achar até que a proporção de areia e cimento das massas estava errada, teoria essa que se provou falsa graças a um de seus estagiários.

Seus olhos ainda ardiam mesmo protegidos pela sombra de sua mão. Abaixou os olhos de uma das quatro torres que foram construídas em cada canto do shopping e tornou a encarar a comprida e reta calçada, que no momento estava sendo recoberta com pequenos tijolos refratários. Acima dos homens, o sol brilhava, fazendo cada indivíduo abaixo dele implorar por um escritório com ar condicionado. Suor escorria do topo da cabeça de Mário, descia pelo pescoço e escorria pelas suas costas, criando um aspecto pegajoso do tecido de sua camisa contra a pele de suas costas. Irritadiço e impaciente, ele gritou com os ajudantes que encaixavam os tijolos lentamente na calçada.

- Andem logo com esta merda, vocês estão há dois dias nesta porra de calçada!

De olhos ardendo devido ao calor e suor escorrendo pelo rosto, os dois ajudantes encararam Mário, a vontade era de lançar um dos tijolos na cabeça do engenheiro, mas precisavam do salário no fim do mês. O mais alto e velho, Júlio, era pai divorciado, quase metade do seu salário era destinado à filha, que atualmente estava no Rio de Janeiro com a mãe e outro pai, um impostor. O mais baixo apenas limitou-se a sorrir, ele sorria com freqüência quando estava nervoso; Nunca falava palavrões, se irritava ou fazia brincadeiras maldosas com os colegas, nos seus 28 anos nunca havia encontrado uma namorada, simplesmente as moças não o levavam a sério. Lentamente os dois voltaram ao serviço, foda-se a calçada, foda-se, Mário. Júlio pensou, enquanto, mais lento que uma tartaruga, pegava um dos tijolos com a mão repleta de calos.

Dentro da construção, o serviço avançava vagarosamente, o último bloco de lojas do quinto pavimento estava sendo finalizado, porcelanato branco cobria o chão, portas de vidro eram instaladas e em algumas lojas os eletricistas faziam os últimos reparos. Em uma loja, alguns espelhos eram instalados nas paredes, quinze, no total; em outra, lustres que custavam o valor de cinqüenta almas humanas eram instalados. Com paciência, ou falta dela, Mário fiscalizava todas as lojas, e ao fim do dia, quando o sol lá no alto cansou de brilhar, o serviço estava fiscalizado, para a surpresa do engenheiro, a grande maioria das lojas estava com o serviço adiantado, o que conseqüentemente adiantaria o seu cronograma.

Já passavam das sete da noite quando o seu turno chegava ao fim, dando início ao turno noturno, comandado por uma engenheira formada há pouco tempo, engenheira da qual Mário daria tudo para passar uma noite, mesmo tendo uma mulher em casa. Essa era uma das outras dores de cabeça de Mário, talvez uma das piores. Eram freqüentes os dias em que Suzana, sua esposa, estava indisponível para transar, sempre com uma desculpa na ponta da língua e muita velocidade nos pés para fugir de onde o marido estava. Aquilo fazia sua mente agonizar, diariamente ela indagava sua esposa sobre a causa dela estar agindo com estava.

A Casa das Quatro FolhasWhere stories live. Discover now