Capítulo 1

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O frio penetrava por suas roupas.

A avenida era longa e vazia. Não havia ninguém que pudesse ajudá-la. Empurrava sua bicicleta, mas até montar nela se mostrou um processo doloroso. Estou suja. Oh Deus, estou completamente suja!. Cambaleante, seguiu para sua casa, não havia outro lugar para ir, e por mais que detestasse a ideia, sua casa era o único lugar seguro. Devo morrer? Se eu não tivesse fugido, não teria acontecido isso! É minha culpa?

Não havia ninguém na casa, o que facilitou as coisas. O que diriam meus pais? Só se preocupam com o trabalho, preocupar-se-iam comigo? Colocou a bicicleta na garagem e lentamente, com o corpo pesado e manchado pelo desejo de um homem, dirigiu-se ao banheiro. Encheu a banheira de água gelada e tirou a roupa machada de sangue e impregnada de suor. Vomitou mais uma vez antes de entrar na água. Quando entrou, sentiu a água tão gelada que poderia dizer que eram facas cortando sua pele, mas não se importou. Deitou e deixou-se afundar na água. Tenho que morrer. Lembrou de Fernando, um namoradinho da escola, do qual Érica era perdidamente apaixonada. Ele não vai querer ficar comigo depois disso, não vai. Deixou de lutar, relaxou os músculos e permitiu que a água entrasse pela boca e nariz. Segundos depois emergiu da água da mesma forma que os zumbis emergiam do chão, de acordo com os filmes que estava acostumada à assistir. Não conseguiria suicidar-se. Faltava-lhe coragem.

Os dias se seguiram. Dias cinzentos, sem ânimo. Seus pais, entretidos no processo de separação de bens pareciam não notar no pedido de ajuda silencioso que a filha expressava. Ficou doente três vezes e quando finalmente sua mãe percebeu que algo estava errado, não teve coragem de contar o ocorrido. Quando finalmente decidiu voltar a freqüentar as aulas, evitava sua amiga Angélica nos corredores e até mesmo na sala de aula. Sempre que a amiga vinha de um lado Érica saia pelo outro. Ela não acreditará em mim. Dizia a si mesma. Lembrava das vezes em que uma freqüentava a casa da outra. Mário nunca havia feito nada de estranho até então. Era freqüente às vezes em que ia embora para casa sozinha, temendo que algo viesse acontecer. Mas preferia ir sozinha à acompanhada pela amiga. Nessas idas e vindas pensava em tudo e em nada. Quem acreditaria em mim? Por que ele fez aquilo? Por que isso aconteceu, justo comigo? Em duas dessas viagens sozinhas avistou Mário; dirigindo seu Citröen pelas ruas tranquilamente. Nesses momentos, Érica era tomada por pânico, sempre procurava um local para se esconder, e permanecia mais quieta do que um caçador mediante sua presa.

Alguns meses depois, tornaram-se freqüentes as manchetes de jornais anunciando um desaparecimento aqui e outro acolá. Junto destes desaparecimentos surgiram conversas paralelas; Alguns diziam que eram traficantes que seqüestravam as pessoas, arrancavam e vendiam os órgãos no mercado negro. Outra teoria dizia que se tratava de uma gangue de canibais. Uma idéia mais absurda que a outra, Érica achava. Mas o que era comum em todos os casos: apenas adultos eram seqüestrados, ou abduzidos, de acordo com os ufólogos.

Na escola, uma nova teoria começava a ganhar força. Dizia-se que havia uma casa, onde serviços duvidosos poderiam ser contratados. No coração da região leste da cidade e em meio ao caos urbano, a casa poderia ser encontrada. Nunca fechava as portas, e estava sempre movimentada. Os burburinhos eram de que o dono era um açougueiro, que estripava as vitimas e jogava os cadáveres no córrego da cidade vizinha. E eu achando que acreditar em Papai Noel era a pior coisa que uma criança pode fazer. Érica dizia ao seu consciente todas as vezes que ouvia a história. Por mais absurdas que as histórias eram, Érica se agradava em ouvi-las, pois faziam sua mente divagar em outras coisas a não ser seu próprio estupro. Os meses não foram suficientes para apagar o ocorrido, longe disso, a menina passou desejar que Mário capotasse o carro a cada dia. Estava pouco se importando que Angélica perdesse o pai. As duas já não se falavam desde o fatídico dia. Seus pais haviam se separado, o pai ficara com a maior parte da empresa, e a cada quinze dias buscava Érica para passar um fim de semana com ele em sua casa. Mas nem esses dias, regados a piscina e compras no shopping eram capazes de trazer alegria a menina.

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⏰ Last updated: Mar 07, 2019 ⏰

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