Grande dia

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Quanto mais as horas passavam mais meu coração batia acelerado, eu tinha conseguido dormir bem a muito custo, praticamente me forcei a isso, eu estava nervoso não tinha como ser diferente, desde que iniciei essa caminhada, fiz esse trabalho praticamente sozinho e saber que cheguei até aqui e poderia ser um ponto final me angustiava, era um projeto de um sonho e eu não queria me despedir dele, por isso a resposta de hoje era tão importante pra mim, e pensar nisso faz minhas mãos soarem e minha cabeça latejar.

Me recordei de como tudo começou, naquele dia em que eu sai do quarto com um pensamento e voltei com outro completamente diferente, apesar daquela apresentação ter sido de longe a minha pior, eu sou muito grato a ela, pois desde aquele dia eu nunca mais fui o mesmo, melhorei a pessoa que eu costumava ser, tudo graças a Roger, que entrou tão radicalmente em minha vida, e ali fez um terremoto, balançando todas as minhas estruturas, hoje me recordei que faz um ano desde aquela manhã, e isso me fez ter pensamentos a respeito, era uma data especial, engraçado como antes eu nem iria reparar nesses detalhes, nunca entendi a preocupação das pessoas em decorar datas e sempre fazer algo de diferente e especial de namorados, nunca vi meus pais fazendo isso, e cresci achando que era uma perda de tempo, mas hoje eu entendo o porquê, era para celebrar os momentos felizes que aquela pessoa te proporcionou, celebrar a vida, nesse instante eu me sinto de fato vivendo ela, passei a ser mais aberto com os outros, e principalmente comigo mesmo.

Saí do dormitório após me arrumar adequadamente, escolhi como da última vez minha melhor vestimenta, andei pelos corredores sentindo o coração dançar no meu peito, mas tentando manter a calma, cheguei a grande porta do auditório e parei diante dela, dali pra frente seria apenas eu naquele palco, sozinho diante de um grande público, minhas mãos começaram a formigar e de repente meu mundo caiu, me afastei recuando um pouco.

- Péssima hora pra ter um ataque de ansiedade Brian - Falei para mim mesmo, respirando fundo e contando até 10.

Comecei um mantra mental, de que aquilo era só mais uma apresentação, para doutores diferentes e para mais pessoas, bem mais pessoas, mais continuava sendo apenas uma apresentação, senti o suor descer pela testa e meus lábios tremerem lentamente, "não posso ser tão fraco assim" pensei, que droga estava acontecendo comigo, era tudo que eu queria, defender minha tese e conseguir uma aprovação, eu já tinha recebido um não, estava preparado para tudo, mas meu corpo não parecia me obedecer, continuei ali esperando alguma coragem para adentrar de vez, passou apenas dois minutos mas para mim foram anos ali estático, sem mover um músculo.

- O que faz aqui fora Doutor May? - Ouvi a voz angelical de Taylor, me sentindo instantaneamente reconfortado, virei encontrando seu sorriso o que automaticamente me fez sorrir também. Ele não deveria estar ali para a apresentação, por ser aluno de outro curso, era outra regra boba da universidade, mas claro que se tratando de Roger, nada para ele é proibido.

- Só respirando um pouco de ar puro antes de entrar e...

- Encarar uma platéia lotada? - Completou me olhando de relance. Taylor novamente me decifrando.

- Você me pegou - Confessei, apesar de estar na cara minha falta de confiança.

- Ainda tem alguns minutos antes de entrar, não precisa ficar aí se torturando, vem vamos andar um pouco - Puxou delicadamente meu braço, e andamos em direção a um canto um pouco afastado mas não tão longe.

- Estou sendo ridículo eu sei - Suspirei pesadamente me sentindo um tremendo idiota, o loiro parou de caminhar e se pôs a minha frente.

- Só porque está nervoso? Isso é normal Bri, é uma apresentação importante, mas isso não é um começo muito menos um fim, o que você tem aí com você, nenhum "não" pode te tirar.

- A pior parte é que no fundo eu sei de tudo isso, só não consigo parar de pensar besteira e me sentir estranho - Admiti sentindo um nó na garganta, os dedos de Roger fizeram um carinho singelo na minha bochecha, e aquilo por mais simples que fosse me passou uma energia boa.

- Precisa manter a calma Brian, respire e pense, as pessoas precisam do que você tem aí dentro - Falou apontando para minha cabeça - Mas pra isso você precisa falar, sem medo, ok?

- Está bem, foi só um surto momentâneo - Respirei fundo voltando a raciocinar melhor - Queria que estivesse lá - Selei seus lábios sempre macios.

- E quem disse que não vou estar? - Ele sorriu daquele jeito único que só ele consegue, e aquelas palavras três que sempre me assustaram queriam sair naquele momento, em ocasiões como essa eu sempre quero dizer, mas não consigo - Agora precisa ir Bri, já está na hora - Avisou e eu novamente suspirei fundo, atacando seus lábios uma última vez antes de me dirigir até aquele portão novamente.

Logo que entrei me deparei com aquele mar de pessoas, respirei fundo novamente e andei em direção ao palco, junto a mim tinha mais quatro alunos, creio que também iriam apresentar naquele dia, eles me olharam de cima a baixo com cara de desprezo, pareciam debochar do fato de eu estar ali, ignorei isso pensando coisas descontraídas para aliviar a tensão, procurei no grande auditório uma certa cabeleira loira, mas não o vi, ou pelo menos não consegui acha-lo mas no fundo eu sabia que ele estava ali, e isso era o suficiente.

- Bom dia senhoras e senhores, bem vindos ao décimo concurso de jovem cientista, estamos aqui diante dessa bancada com os profissionais mais renomados do estudo acadêmico de astrologia e ciência, hoje iremos prestigiar o trabalho dos alunos presentes, que trouxeram seus projetos pessoais para concorrer a uma bolsa, logo após daremos uma hora para a saída dos resultados, desejo boa sorte a todos.

O apresentador saiu do palco, e eles começaram a vasculhar as papeladas, iam chamar o primeiro nome logo, suspirei um pouco tenso.

- O primeiro aluno a apresentar o projeto será Brian Harold May, aluno do oitavo período de Astrologia, Sr.May por favor compareça ao palco - Meu corpo inteiro tremeu, balancei as mãos como que para expulsar o nervosismo e andei em direção ao palco.

Coloquei o dispositivo no aparelho, meio trêmulo por ter toda a atenção sobre mim agora e encarei a plateia.

- Bom dia - Comprimentei a audiência - Meu nome é Brian Harold May e hoje eu não vim defender uma tese e sim mostrar-lhes uma nova perspectiva, imaginem suas vidas nesse exato momento, vocês assistirão essa palestra por algumas horas e depois irão para suas respectivas casas e possivelmente famílias, há um fator que permite que façam isso sem obstáculos, chamado liberdade, somos seres livres para fazermos o que bem queremos, mas a pergunta que lhes faço é, o que nos difere dos outros animais no planeta? Talvez a primeira resposta que apareça seja, a racionalidade, contudo isso não é totalmente verdadeiro, podemos nos tornar mais irracionais do que aqueles seres que julgamos selvagens, mas a diferença é que ainda somos livres, enquanto esses animais ao qual julgamos de um modo indireto inferiores, estão presos, seja em laboratórios, circos ou parques de diversão, com um único e doentio princípio de que podemos escraviza-los "Em nome da ciência", não paramos pra pensar que estamos tirando o direito básico de vida deles, o de serem livres, livres para viverem em seus bandos, escolherem com quem procriar, cuidar dos seus filhotes, nós podemos ter um pouco mais de sabedoria e as vezes nem tanto, mas não temos o direito perante suas vidas, por isso que desenvolvi uma máquina capaz de permitir nosso avanço gradativo, sem interferir na vida natural desses animais, é uma ideia que agora pode parecer absurda e nada convencional, mas acredito ser o primeiro passo para algo além da tecnologia, e sim uma abertura para o discurso de uma conscientização nossa com a própria natureza - Fiz sinal para que apagassem as luzes e liguei o aparelho, de repente as imagens em 3D apareceram, os animais em imagens que pareciam reais, meu coração se aqueceu, eu vi aquelas imagens várias vezes, mas mostrá-las me deu um sentimento bom, todos estavam estáticos, parecendo não acreditar no que viam.

Alguns tentavam tocar as imagens, e vê aquele contato da pura ciência alcançando as pessoas me fez vê o quanto eu estava no caminho certo, podia ser apenas um protótipo a ser melhorado, mas ali tinha mais do que noites perdidas e dores de cabeça, aquilo por mais que contraditório que possas parecer, estava carregado de humanidade, segui os olhares até encontrar o que eu estava procurando desde que entrei, ele estava ali, um pouco distante quase escondido, mas estava ali, e eu sorri em sua direção e ele fez o mesmo, após um ano estávamos no mesmo lugar daquele mesmo modo.

E naquele momento eu percebi que não importava o que os resultados diriam, eu já me sentia um ganhador.

science and ci̾garettesWhere stories live. Discover now