capítulo 2

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"Você não é tão diferente de mim! Tu também veio com interesse porra! Pior! Tu veio transar, achando que iria arrancar informações caralho!"

...

Ouço a maluca da janela vim na minha porta gritar pelo meu nome.

- Ainda são cinco da manhã!

Digo incrédula enquanto levanto pra abrir a janela.

- garota! Só levanta e vem!

Ela fala impaciente.

Abro a janela, o céu tá escuro!

Eu fui mal na prova da Marinha de propósito, não era o que eu queria. Meus pais ficaram putos, ficaram mais putos quando eu falei que ia ser da militar.

" Tá querendo serviço fácil? Tá querendo um macho pra te sustentar garota?"

Minha mãe fala, mas não foi isso que ela fez? Arrumou um macho pra sustentar ela? Porque meu pai prometeu tirar a louca do morro e ela foi correndo.

Meu pai diz ser apaixonado pela minha mãe, ela deixou a minha tia, a maluca da janela aqui sozinha, por isso ela é tão puta com a minha mãe.

Não julgo, também sou.

Com o tempo eu comprei um apartamento simples, meu pai ficou tão bravo que prometeu me deserdar.

Não durou muito, ele tem coração mole, ele veio de uma família pobre, saiu do morro também, mas conseguiu se erguer, fazer faculdade com o dinheiro de comer.

Não sei porque escolheu a louca da minha mãe, mas tá bom.

Quando a filha da Maria morreu, minha mãe não foi no enterro, ela diz que não queria causar briga, mas eu sabia que era por causa de mim, todos sabem que eu tava fazendo concurso pra PM, e ninguém sabe se foi algum vagabundo do morro ou a polícia.

Era um afronte pra família.

Desço as escadas.

Ela está cozinhando.

- vai comer donzela.

Vou até a garagem e sento na mesa pra comer pão com queijo.

Tá muito bom.

Não entendo porque ela me aceitou, mesmo sabendo que eu sou uma policial afastada.

Realmente meus pais me expulsaram de casa depois que fui afastada pelo que supostamente fiz. Mesmo o apartamento sendo já meu, posso fingir que é aluguel.

Ela parece me odiar, mas porque me aceitou?

Me levanto.

Ela me coloca pra por a mão na massa.

Ela faz empadão e mais umas coisas bem gordurosas, mas que ficam com uma cara ótima.

- porque foi afastada?

Ela diz enquanto mexe na massa do empadão.

- me acusaram de suborno.

Digo.

- quem te subornou?

- uns cara de uma boca perto do meu apê, eles me davam dinheiro e eu dizia quando a PM iria invadir.

Ela ri.

- e sua mãe?

- me expulsou de casa.

Digo.

- claro a filha certinha foi pro ralo. Típico dela.

Sento um pouco.

- porque me aceitou aqui?

Ela respirou fundo.

- sua mãe te deixou, eu já estive no mesmo barco que você.

Não consigo entender porque minha mãe deixou a irmã no morro sozinha.

- como é o morro?

Ela fica estranha de novo.

- curioso morre.

Porque tão estúpida comigo?

- aqui não é fácil, você pode morrer a qualquer hora, não irrite ninguém, não dá uma de louca e não mexe com o chefe.

- mas pelo que ouvi, aqui não tem mais troca de tiro.

Ela ri.

- ouviu errado.

- porque respeitar o chefe se ele deixa coisas ruins acontecerem aqui?

Ela ri.

- a polícia é a porra do problema!

Me assusto com o tom de voz dela.

- não tem problema aqui, a não ser que a polícia chega e mata a porra de crianças e jovens inocentes, só porque parecia bandido!

Ela parece estressada, mas continua.

- eu vivo aqui a anos, e todos os meus problemas o chefe resolve, e não a polícia! Mas olha pra você! Não pode defender a polícia se é um péssimo exemplo deles!

Resolvo ficar em silêncio, mesmo tendo várias coisas pra falar, vou com calma. Ela tem razão, se levar para o ponto em que eu "aceitei suborno".

Ela parece gostar do meu desconforto.

- Mas você pegou o suborno, não sei o que é pior em você.

Ela diz.

- o cara que mata, vende drogas, acha que manda em todos, tem arma de fogo, coloca menores no crime e não sei mais o que, e você continua achando que o suborno é o problema?

Retruco.

- tudo começa com o suborno, o vagabundo tá ali pra ser vagabundo, o policial tá pra proteger, e o que ele faz? Pega a merda do suborno, enquanto o vagabundo faz o que é pra ele fazer.

Porque ela tá defendendo vagabundo?

Ficamos em silêncio.

Ela me ensinou a fazer algumas coisas que ela vende, mesmo me alfinetando a todo tempo.

Ela abriu a garagem, arrumou as mesas e disse que eu podia voltar a dormir.

Eu voltei para o quarto, peguei meu notebook e comecei a escrever meu artigo.

Eu teria que ter provas.

Preciso de algumas coisas antes.

Ligo para Henrique.

Ele geralmente me atende.

Henrique- oito da manhã moça?

Eu- é o que eu tenho pra hoje.

Henrique- algum problema?

Eu- não, eu pensei em algumas câmeras, ponto cego, pra ser mais exata, eu ainda estou pensando.

Henrique- como vamos entregar essa merda pra você?

Eu- te vira, não é a porra de um agente secreto?

Tenho certeza que ele está revirando os olhos agora.

Henrique- uma semana.

Eu- porque tanta demora?

Henrique- pra que tanta pressa?

Eu- eu quero terminar essa merda logo!

Henrique- tu tá achando mesmo que vai ser fácil? Se fosse eu mandaria qualquer pessoa.

Eu- então porque me mandou caralho?

Henrique- vamos pensa, vagabundo gosta de mulher bonita.

Eu- porque você não vai se foder?

Henrique- porque eu já fodi muito hoje.

Ele ri.

Eu- babaca.

Desliguei.

O que ele pensa que eu sou?

Guardei minhas coisas e decidi dormir.

...

Uma policial no morroOnde histórias criam vida. Descubra agora