Parte 1

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-Ta bom meu filho, eu te conto mesmo traindo a minha promessa de uns anos atrás... olha o que você faz comigo- minha tia diz.

Como é bom ter um pouco de sossego, férias;e ficar longe da faculdade é a segunda coisa que me motivou a voltar para a Coréia. Os anos que passei longe do país quase nada me deixaram distante emocionalmente. Continuo sentindo o clima o mesmo. Aproveitei hoje o céu quase aberto pela manhãzinha para me exercitar em uma caminhada, e conhecendo bem o local soube estar perto da minha tia Naomi- a mulher que não sabia até pouco tempo que havia outra intenção sem ser matar as saudades em minha visita- e bem que de supetão vim até aqui, na sua casa, começar o que quis adiar: algumas coisas só funcionam assim, com pouca reflexão.

-Mas espere, que a história é longa para você entender. Muita coisa há por trás, acho que por isso sua mãe evita o assunto.- resmungou

-Ela não evita, na verdade, nunca sequer mencionou... Também nunca perguntei, não a culpo.

Quando vim para cá, deixei no Japão alguém á minha espera. Uma pessoa a qual guardo afeto, muito; a quem eu amo. Por trapaçarias do destino e talvez, também por causa das circunstâncias na qual minha mente se encontra, cogitei aquilo não ser certo: continuar com alguém alimentando ilusões de um futuro desconhecido. Lá também ficou um sonho de um jovem com ambição suficiente para se frustrar: inseguro, o que sou atualmente. Entre esses e outros porquês me presenteei com a calma que só uma viagem para casa pode proporcionar. Não existem borborinhos internos que não entrem em equilíbrio com a sensação de casa.

A agitação da capital; Tóquio, é uma das minhas favoritas, a primeira é a da minha Tia que se põe de pé ao dizer estar com sede, e com a narrativa que vai se prestar, precisa manter a garganta hidratada, me oferece e nego. Não sei o que esperar. Agradeço por não me faltar conforto nessa casa, a irmã mais velha da minha mãe nunca teve filhos apesar de casada, não podia, os ovários pareciam estarem mortos, e agora já com seus quarenta? quarenta e três anos? Naomi não se imagina mais como mãe, só como Tia, diz ela. Eu sei que, por ter cuidado da irmã caçula sabe mais do que ninguém quem é o dono da minha paternidade e ficar remoendo o assunto não me faz bem. Minha mãe trata a todo momento Naomi como a principal de suas conselheiras, tanto respeito e confiança. Não é necessário ser um dos mais espertos para saber que foram companheiras e partilharam segredos na adolescência. Se amam, entretanto algo mais forte que esse sentimento paira aqui: cumplicidade, ou medo das mesmas coisas.

Esses anos, afastado de casa, mais falta me atingiu: da minha mãe e do desconhecido. Entrei em uma grande tristeza nos últimos meses. A sensação de estar começando a vida, numa cidade tão grande, cheio de expectativas com a carreira profissional me limita a reparar em mim, e dessa forma, sem perceber, deixei para trás o luxo de cuidar das emoções que agora, depois de uma longa fase, não se resumem a receio ou raiva. Sinto uma curiosidade quase tímida, de uma história que quis há muito ouvir. Então chegada finalmente a hora, Naomi se senta, com a xícara esfumaçando, tomando um gole para molhar os lábios; arruma-se no sofá, se aninhando nas colchas macias. Saboreando as primeiras palavras com calma, até ficar confortável e a frase sair com cuidado da sua boca. Firmemente.

-Porque agora?

-Como assim?-indago

-Depois de tantos anos... Kyungsoo você já é um jovem a quem quer enganar? O que aconteceu para te fazer voltar? E porque agora quer saber das origens do seu passado?- e paro para pensar, no momento, nada se passa pela minha mente, mas digo melhor, pelo meu corpo, eu só sinto a necessidade. Deveria dizer o real motivo? Que existem coisas paralelas a mim me fazendo, sem querer, imaginar como teria sido, ainda melhor, como eu SERIA hoje, tendo a consciência formada pela a educação de um pai...Nunca tive.

Os primeiros amoresWhere stories live. Discover now