#01

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Meu pai me chamou em seu escritório, eu fiquei assustada pois ele geralmente não gostava que eu entrasse lá, foram poucas as vezes em que fui lá dentro, como estava sempre trancado quando ele não estava, era um dos únicos cômodos mais desconhecidos para mim nessa casa enorme. Por estranhar a situação, assim que entrei fiquei apreensiva e parei entre as grande portas de madeira escura.
— Me chamou, pai? — Eu disse, olhando ao redor e observando ele sentado em sua grande cadeira de madeira. Quando eu era criança costumava fantasiar que aquele era o trono e meu pai era um rei.
— Sim filha, entre! Precisamos conversar. - Disse meu pai, observei que ele possuía uma feição meio preocupada. Ele parecia cansado.
Eu automaticamente comecei a me lembrar de todas as coisas erradas que eu poderiam ter feito para ele me chamar aqui. Mas não encontrei nada na minha mente.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei.
Então ele gesticulou para que eu sentasse na cadeira á frente da sua grande mesa de madeira onde havia um computador, um abajour e uma grande quantidade de pastas e papéis. Ás suas costas ficava uma enorme estante de livros, eu imaginava que a maioria provavelmente não eram nem utilizados e só serviam como decoração.

— Hellena... estamos com problemas... — Ele disse.
Eu permaneci em silêncio percebendo que ele não estava olhando diretamente pra mim, mas encarava a mesa de madeira. — Estamos problemas na empresa. —
Ah, ele iria falar da empresa de novo... Meu pai era dono de uma rede hotéis famosos, tudo começou a muitos anos atrás com um pequeno hotel de estrada de meu bisavô, hoje apenas um dos 5 hotéis ficava aqui na cidade, bem ao lado do prédio administrativo da empresa. A questão é que eu me iria me formar neste ano, e apesar de ter escolhido um curso que meu pai não aprovava ao invés de Administração, ele ainda insistia para que eu assumisse o cargo de CEO da empresa da família, afinal, eu era a única herdeira. Imaginei que ele mais uma vez iria apelar sobre isso.
— Olha Pai, se me chamou aqui pra mais uma vez pedir pra eu assumir o cargo de CEO, não adianta insistir! Eu já estou decidida, quando eu me formar vou abrir meu próprio consultório de Nutrição Infantil! E nada do que você dis...— ele me cortou: — Não é nada disso. —
— Filha... acontece que... Estamos falindo, tivemos uns problemas, fiz escolhas erradas... confiei em pessoas erradas e enfim... Ocorreu um desvio milionário e suspeito de um golpe. Meus advogados estão investigando mas o vice-presidente e o suplente da Gilleard Hotéis me disseram em uma reunião hoje que votarão pela venda de suas partes da empresa. Por conta do desvio, eu não tenho como comprar e a única solução seria abrir mão da empresa para um novo comprador. Investidores já estão se retirando, as ações estão caindo, já estão comentando sobre os riscos... A próxima reunião para a decisão final será na próxima semana. - Ele disse. Desta vez ele olhava para mim, fixamente. Eu fiquei estática por alguns segundos. Como assim empresa estava falindo? Aquela notícia foi como um soco no meu estômago. Como se tivessem tirado o chão dos meus pés. Embora eu não quisesse fazer parte dela no momento, eu sabia o quanto a empresa significava para o meu pai e sobre sua história na minha família. E claro, tinha total ciência de que era por conta desta empresa que eu morava em uma mansão e vivia uma vida confortável, sem nunca ter precisado me importar com finanças.
Apesar de ser algo que eu nunca imaginei, e talvez não tivesse noção de como seria essa mudança de estilo de vida, eu não tinha medo de ficar pobre, mas sabia que seria difícil perder tudo.
Eu nunca havia visto meu pai chorando em toda a minha vida, mas quando olhei em seus olhos naquela noite, eu sabia que ele havia chorado.
— Mas... como assim? Não existe alguma outra forma? Tem que existir um jeito... —
— Filha isso... já vem acontecendo à um tempo. Eu não quis preocupa-la, estive procurando soluções. Mas desta vez chegamos ao limite do tempo. -
— Mas não existe nenhuma solução? Papai, o que vamos fazer? —
Apesar do meu pai ser um tanto ausente por conta do trabalho, e embora tivesse os defeitos dele, eu o amava muito, ele era a única familiar que eu tinha, e ver ele daquela forma me deixava mais triste do que a possibilidade de perder toda a vida luxuosa que tínhamos.
— Na verdade... Tem. — Ele disse. Ele parou e respirou fundo.
— Filha, eu juro que eu pensei e analisei em todas as possibilidades possíveis, mas essa é a única saída. Eu preciso da sua... colaboração. — Ele disse. Mais uma vez ele evitava me olhar nos olhos. Eu não conseguia imaginar como eu poderia ajudar.
Mas então senti que havíamos chegado na parte que tem haver comigo e entendi que o motivo pelo qual ele tinha me chamado aqui não era apenas para dar as más noticias. Comecei a sentir um pouco de receio.
— Você conhece o Shopping Imperius, aqui da cidade, certo? — Eu assenti. Certamente eu conhecia, era o maior Shopping da região. Ele prosseguiu: — O presidente deste Shopping, Marcus Suller... Ele é... um antigo amigo da faculdade de Administração, após nos casarmos nos distanciamos. Mas ele soube dos boatos da empresa e me convidou para uma conversa. —
Ele parou novamente e olhou para mim, parecia analisar meu rosto. Eu olhava atentamente para ele. Marcus Suller? pensei um pouco depois de ter um breve pressentimento sobre aquele nome.
De onde reconhecia este nome? Talvez já tivesse visto por aí. Mas não me lembrava com clareza.
— Ele propôs um acordo... na verdade uma salvação... Um contrato onde ele investirá o todo o dinheiro necessário comprando a parte do vice-presente e do suplente da Gilleard Hotéis, estando salva a empresa, juntos iriamos trabalhar para recuperar os danos até que possa ficar estável. Nos tornaríamos sócios e parceiros do Imperius Shopping. -
Eu logo senti um imenso alívio e abri um sorriso.
— Isso é incrível! Pai, se é a única alternativa, você precisa aceitar! — eu disse, mas ele ainda parecia meio tenso.
— Sim... eu preciso aceitar. É nossa única opção... —Ele novamente disse isso minuciosamente olhando para mim. Comecei a me questionar o que isso teria haver comigo, me perguntava se ele só queria minha opinião, mas por que iria querer?
— O problema é que o contrato de Suller tem uma condição. Não será... de graça. — Disse meu pai. Neste momento ele abaixou a cabeça composta de uma grande parte de cabelos grisalhos misturados com seus fios pretos e segurou as têmporas por um instante.
— Que condição? — Questionei. Ele respirou fundo e ergueu o rosto novamente.
— O filho dele... Liam Suller... — Disse meu pai.
Liam Suller? Imediatamente me lembrei de onde lembrava deste sobrenome ao ouvir o nome dele.
O maldito Liam Suller. Como eu poderia me esquecer?
O garoto que tornou minha vida na escola um verdadeiro inferno praticando bullying comigo durante os 3 últimos anos do ensino fundamental. O bullying que me levou a um caso de anorexia e bulimia por ele me humilhar e chamar de gorda, o garoto que me fez ter acompanhamento psicológico e psiquiátrico e passar 3 meses internada em uma clínica, e que mesmo depois de eu ter passado pelos piores momentos da minha vida, quando eu retornei a escola, continuou com o bullying no 1° ano do ensino médio, me fazendo ter que trocar de escola no meio do ano. Nós estudávamos na escola mais cara e renomada da cidade, mas convenci meu pai a me matricular em um internato só para garotas na cidade vizinha, onde concluí o ensino médio e pude finalmente viver uma vida tranquila. Apesar de já terem se passado 6 anos, o nome dele ainda me causa repulsa. Eu não precisei perdoar ele pois sabia que nunca mais teria que vê-lo novamente. Mas ouvir o nome dele trouxe de volta todos aqueles sentimentos terríveis de quando eu era só uma criança. E assim eu percebi que apesar de toda a terapia, a raiva que eu sentia dele, ainda estava lá.

Meu pai continuou falando me tirando de meus pensamentos: — ele... tem causado muitos problemas para a reputação da sua família. Apesar de já ter 24 anos, se formou na universidade apenas por seu pai subornar a instituição pois mal comparecia às aulas. Ele vive em festas, bebendo e usando... bom, você sabe. Ele também é o único herdeiro de Marcus e vive em manchetes sujando o sobrenome de seu pai e consequentemente... da empresa. — Eu olhei pra ele para prestar mais atenção no que estava dizendo. Eu não costumava ler esse tipo de fofoca. Eu sabia que meu nome estava em manchetes diferentes. Mas não foi de me surpreender o tipo de homem que aquele garoto terrível se tornou.
— Liam Suller... Nós estudamos juntos por alguns anos. Pelo visto, ele continua um idiota. Mas o que ele tem haver com o acordo? - Perguntei me sentindo confusa. Meu pai olhou para mim.
- Marcus quer que o filho se case. - Ele disse.
De repente eu entendi sobre o que aquilo se tratava. Mas eu me negava a acreditar.
— Ele quer que ele se case com você. — Disse meu pai. Aquelas palavras pareciam ser uma terrível piada do universo comigo.
Não. Eu não poderia fazer isso.
Acredito que minha expressão facial foi o suficiente para meu pai entender qual seria minha resposta.
—Pai, você ficou louco? Eu? Me casar com o babaca do Liam Suller?  — Eu disse furiosamente me levantando. — Se fosse qualquer outro já seria ruim o suficiente. Mas ele? Papai, ele foi um dos garotos que me fizeram ter que sair daquela escola, que me fizeram... parar em um hospital! — Eu indaguei.
— Filha... Isso já é passado, vocês eram crianças. — Disse meu Pai. Eu não queria acreditar no que eu estava ouvindo.
- Você quer entregar sua filha, em casamento, para um desconhecido? É sério? Você quer me vender como se eu não fosse nada? - perguntei.
- Hellena, não é nada disso. Nós não temos outra opção. Você precisa fazer isso. Podemos perder tudo. Seus cartões ilimitados? Já eram. Seu carro, nossa casa, suas viagens, as instituições que você ajuda... Tudo isso vai acabar! - Ele rebateu, parecia firme nas palavras, como se já tivesse ensaiado esse discurso. Eu respirei fundo, tentava não deixar a raiva me consumir.
- Mas pai... - Eu não sabia exatamente o que dizer.
- Hellena... Me escuta, o contrato só vai durar 2 anos, não será um casamento de verdade. É para a mídia. Ele quer dar uma lição no filho e limpar a imagem dele. Você é uma boa garota, tem uma boa reputação. Além do mais, isso faria todos pensarem que a parceria entre as empresas foi pelo casamento, não levantaríamos suspeitas de que estávamos prestes a falir. - argumentou meu pai. Tudo em mim se negava a aceitar aquilo.
- Meu Deus! Isso parece um pesadelo. - Eu disse sentindo lágrimas se formarem em meus olhos.
– Filha me desculpa mas... Não temos escolha. Você precisa assinar o contrato. – Ele disse. Eu olhei para ele pela última vez antes de sair do escritório e fazer questão de bater a porta. Fui para o meu quarto e me tranquei para ficar sozinha e pensar melhor em tudo o que havia acontecido. A verdade é que eu queria fugir daquilo, e eu saí correndo, igual uma criança.
Não conseguia acreditar no que estava acontecendo, de repente meu chão caiu e eu me sentia sem saída. Comecei a chorar deitada em minha cama, chorei até sentir minha cabeça doer, fui até o banheiro do meu quarto e me encarei no espelho. Eu não era mais aquela garotinha que Liam Suller e seus colegas humilhava. Mas só de pensar em compartilhar a mesma casa com o garoto que fazia eu me sentir a pessoa mais nojenta e repugnante do mundo isso fazia meu coração acelerar e minhas mãos tremerem. Abri a gaveta do banheiro e peguei um comprimido de analgésico. Tomei junto com um pouco de água do copo que estava na escrivaninha ao lado da minha cama e me deitei novamente. Tentava esquecer tudo o que havia acontecido. Tentava fingir que minha vida ainda era a mesma de antes daquela conversa com meu pai no escritório. Até que perdida em meus pensamentos, eu adormeci.

Amor em Chamas: O ContratoWhere stories live. Discover now