00|| prologue

502 56 56
                                    

Ainda conseguia ouvir a voz estridente de sua mãe ecoar em sua mente, o gosto salgado das lágrimas pesadas que rolavam por seu rosto e molhavam os lábios vermelhos, o aperto forte no peito que parecia o consumir internamente. Sua pele queimava pelo olhar de seriedade que recebia de seu pai antes de cair sob os próprios joelhos; implorando por uma redenção falsa e inexistente, ainda assim, permanecia insistindo para si mesmo.

Fora depois de repetir três vezes a frase que tanto assombrava seus pensamentos, enquanto olhava para as mãos grandes que tremiam e se agarravam à barra do pijama da mulher que lhe deu a luz, quando notou o único rastro molhado no rosto da mesma, teve a confirmação de que precisava para saber que tudo aquilo era real.

Os ombros se moviam, o peito pesando para a frente e o choro, antes contido que formava uma bola em sua garganta, agora corria livremente pela tez amorenada, inundando a pele imaculada de sua face e lavando o rosto em lágrimas salgadas repletas de amargura. O corpo espasmando por conta dos soluços, que passaram a ser mais silenciosos quando fora deixado sozinho sob o carpete claro da sala de sua casa, ou melhor dizendo, sua antiga casa.

Levantou-se, apoiando no estofado marrom ao seu lado e, cambaleando, passou por todos os cômodos até chegar no próprio quarto. Foi rápido em trocar de roupas — colocando algumas de sair — e usou uma de suas malas que ficava no armário para guardar o que não poderia deixar ali.

Por fim, pegou também todas as suas finanças que estava guardando a um tempo e colocou no bolso da mochila que comportava o material da faculdade. O olhar percorreu a extensão de seu lugar preferido uma última vez. A dor lhe queimando o âmago.

Sob a cama de solteiro uma toalha de banho recém-usada, a escrivaninha repleta de post-its coloridos com anotações rabiscadas sem capricho, variando de datas importantes até tarefas simples como passar no mercado. Sentiu os pelos eriçarem e o peito querer se descompassar, mas se permitiu apenas liberar as lágrimas teimosas. O brilho que antes possuíam as orbes castanhas — agora vermelhas e turvas — se apagara sob a lembrança amarga das palavras julgadoras e as inúmeras ofensas que ouviu da boca de seus progenitores.

Limpou com as costas da mão o ranho melequento que saia do nariz e fungou baixinho antes de se virar, indo em direção a porta da casa, caminhando devagar pelos corredores repletos de fotos de sua família reunida. Parou em frente a um dos quartos, ele era espaçoso e possuía uma decoração infantil, as paredes pintadas num tom lilás e alguns brinquedos e bichinhos de pelúcia estavam espalhados pelo chão; bagunçado, exatamente como um quarto de criança era para ser. Ele observou a cama pequena que possuía grades de proteção dos lados e olhou para a garotinha que estava deitada ali. Os cabelos eram negros e ela se parecia ao extremo com o irmão. Taehyung suspirou e soluçou baixinho, evitando que ela acordasse, se aproximou da cama cor-de-rosa e ficou alguns instantes apenas fitando a menininha que dormia serenamente. Se abaixou até estar no nível de sua cabeça e deixou um selar delicado sobre os cabelos lisos, voltou à postura normal e sorriu triste antes de sussurrar um 'Eu te amo' e deixar o cômodo.

Caminhou mais um pouco e passou pela grande sala de estar, observou as luzes coloridas que decoravam a árvore de natal piscando num ritmo frenético e manchando as paredes claras como um psicodélico vacilante.

A mão grande que ainda tremia foi até o bolso do moletom grosso e tirou de lá o celular novo, que ganhara de aniversário após muito insistir, abriu o aplicativo de táxi e teve de repetir o endereço com os dedos vacilantes que após algumas muitas tentativas falhas, conseguiu escrever as coordenadas que já lembrava de cór e finalizou o pedido.

Não olhou para trás após fechar a porta e sair em disparada na direção do carro que o esperava com os faróis cortando o breu da rua. Tinha receio de retroceder os passos e implorar pela compaixão do pai outra vez. Bateu no vidro escuro usando os nós dos dedos e chamou pelo motorista que, ao abaixar a janela, notou ser estrangeiro.

heaven [tae.yoon.seok]Where stories live. Discover now