Capítulo 7 🍉

1.4K 218 22
                                    


— Você veio num dia em que a chuva afastou todo mundo da loja — digo, apoiando as mãos na cintura. — Então está com sorte.

Eduardo esfrega uma mão na outra.

— Eu meio que queria fazer alguma coisa.

Aí ele se senta num dos bancos acoplados na lateral do balcão, do lado de fora, contrariando o que acabou de dizer.

— Logo no primeiro dia? Tipo o quê, inventar uma receita nova? — brinco.

— Quem sabe? — Ele joga um ombro para cima.

Seu cabelo já secou e se desgrudou da testa, formando cachos grossos que só encolhem cada vez mais. Ele parece irritado com os fios e os joga para o lado e para trás o tempo todo.

— Então sai daí, deixa eu te mostrar como é que se faz um milk-shake sem perder a mão na medida.

— Milk-shake é fácil demais. Mostra daí, daqui eu tou vendo.

Estreito os olhos para ele.

— Sério? Mas você não queria fazer alguma coisa?

— Alguma coisa interessante. Não a coisa mais fácil do mundo.

Meus olhos estão quase se fechando.

— Você é sobrinho da dona. Vai ter que fazer mais do que ficar aí sentado.

— Ou não... ela nunca vai me demitir, e quando começar as aulas vamos sair daqui mesmo, então... — ele joga os ombros para cima, agora os dois, e eu o encaro por um tempo, com ambas as mãos apoiadas na cintura, intrigada.

— Ah, olha, eu estou tentando te ajudar. Se você não quer ser ajudado... — começo meu discurso, mas Eduardo começa a rir e se levanta da banqueta com as mãos para o alto, se rendendo.

— Calma, eu tava zoando com a sua cara. Vai, me mostra — ele pede, já chegando ao meu lado.

Bufo e relaxo a postura aos poucos. Arrasto o liquidificador para mais perto de nós e começo.

Eduardo está atento. Seu rosto está quase ao lado do meu, o pescoço esticado, observando cada passo que dou para concluir o preparo da bebida. Nosso milk-shake é muito procurado pois leva frutas congeladas, e não apenas essências, o que deixa o sabor muito mais verdadeiro e gostoso.

Preparo um milk-shake de frutas vermelhas e vejo como Eduardo está mesmo prestando atenção, pois quando falo alguma medida (3 bolas de sorvete de baunilha, 60ml de leite, etc.), ele repete baixinho. Quando termino, despejo tudo no copo grande de vidro, o maior que servimos, e a medida é exata.

Para finalizar, coloco chantili no topo, uma cereja caindo de lado, e enfio o canudo grosso. Passo a bebida para ele, que toma quase sem parar.

— Uau. Isso aqui tá divino.

— É maravilhoso. Agora é só esperar alguém chegar pra você colocar em prática.

— Já me sinto um especialista — ele diz, entre uma saboreada e outra.

Solto uma gargalhada.

— Certo, agora só falta conhecer os outros noventa por cento da loja.

O milk-shake e os sorvetes foram a última adição aos doces vendidos na loja. Mama começou vendendo tortinhas com recheio doce, passou para bolos recheados e depois rosquinhas, biscoitos de gotas de chocolate e alguns doces mais refinados, como macarons.

Não há ninguém na cozinha hoje, pois os bolos só são vendidos nos dias de quarta, quinta e sexta-feira, e o restante dos doces são fornecidos pela fábrica. Salvo algumas rosquinhas e biscoitos que fazemos de vez em quando—mas nada dos doces mais sofisticados.

Eduardo olha ao redor e dobra o lábio inferior para fora, e diz, presunçoso:

— Eu acho que não é nada demais. Parece fácil.

Cruzo os braços em frente ao corpo.

Uma pessoa atravessa a porta, e eu apenas olho na direção do som do sino atrás da porta transparente. Duas crianças vestidas em capas de chuva coloridas vêm em seguida, e eu não consigo evitar erguer o canto dos lábios num sorrisinho.

— Ah, é? Então, vai. Sua vez.

Me ponho atrás do caixa e anoto os pedidos, passando-os para Eduardo ao meu lado. Vai ser divertido assistir.

🍉🍉🍉

O olhar de Eduardo para mim diz como ele está arrependido.

— Foi mal — sussurra, quando a mãe com as duas crianças se senta numa mesa redonda perto da janela. Ele suspira e passa o dedo indicador na testa, como vemos em filmes, quando alguém termina um trabalho árduo.

— Viu só?! — Aponto o queixo para a frente e cruzo os braços em frente ao peito. — É pra você aprender que não é só porque eu coloco os sabores de sorvete no copinho e entrego pra alguém, que é simples.

— Parece simples. Foi o que eu disse, que parecia fácil. Meu negócio não é milk-shake.

— Ahã, tá. Tá bom, passou. Agora, vê se presta atenção.

Eduardo fica atrás do caixa pelo restante da tarde. A chuva cessa na região, e as pessoas começam a entrar na doceria em bandos. Igor e Emília chegaram às três horas — juntos, coincidentemente —, e Alicia apareceu um pouco depois, mas estava com a cabeça em outro lugar. Passei a fazer apenas os milk-shakes. O liquidificador fica exatamente atrás da máquina do caixa, e Eduardo vira-se para trás sempre que se vê sem ninguém para atender, e conversamos superficialmente durante todo o dia.

Agora, às cinco da tarde, estou prestes a sair da loja, com a mão na maçaneta da porta, quando ouço a voz de Eduardo atrás de mim:

— Puxa vida, achei que você tinha gostado das nossas camisas combinando.

Olho para trás e solto a porta.

— Eu adoro aquele uniforme, tá brincando? Só tirei pra ninguém na rua me parar pra perguntar onde consegui. Seria tipo de cinco em cinco minutos.

Ele mantém um sorriso aberto no rosto, e quando ele ri—por incrível que pareça só percebo isso agora—seus olhos diminuem para dois traços, quase sumindo, afastados pelas bochechas que se erguem. Quando eu sorrio, apenas meus dentes superiores aparecem, pois me recusei a usar aparelho odontológico anos atrás e hoje os dentes são um pouco mais puxados para a frente do que o normal. Quando tomo consciência disso, paro de sorrir.

Minha bicicleta está presa por uma corrente no estacionamento a poucos metros da Loja, e Eduardo caminha até ela ao meu lado, sem falar nada. Quando a tiro da corrente percebo que os pneus estão baixos.

— Ah, droooga! — reclamo.

— O que foi?

— Alguém furou os pneus.

— Sério? Não foi só... muito tempo parada?

— Não. — Olho para ele como se uma melancia tivesse no lugar de sua cabeça. — Eu uso todo dia. E eu enchi esses pneus no final de semana.

Bato o pé no chão, depois chuto algumas pedrinhas no chão, levantando poeira. Abro a mochila para tirar o telefone e ligar para que Enrico venha me buscar, mas antes que eu digite os números, Eduardo pergunta:

— Você mora muito longe?

— Uns quarenta minutos daqui, a pé.

Ele me dá o braço, como um noivo.

— Bora — diz. — Eu te levo até lá.

🌊🌊🌊🌊🌊🌊🌊🌊🌊🌊

oooooi, meus amores, tudo bão?

começando as postagens em dias regulares: segunda e quinta-feira. 

espero que vocês estejam gostando! Obrigada por estar lendo, e se chegou até aqui, não esquece a ⭐ 

beijossss, amo vcxs 💜💜

Peixe Fora D'águaOnde histórias criam vida. Descubra agora