Capítulo 29 🍉

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Enrico deve ter colocado um alarme exatamente às 00h00, ou ficado com o celular em frente ao rosto, na tela de ligações, para apertar o botão verde e começar uma chamada para meu número no momento exato da virada do relógio. É isso que penso quando vejo sua ligação, e atendo só para lhe dizer que pode vir.

— Já estou aqui em baixo — ele diz.

Metade de mim quer xingá-lo por ter trapaceado. A outra metade não se faz relutante e levanta-se com pressa para agilizar a chegada até em casa. A parte relutante ficaria aqui no topo desse prédio até o amanhecer; a parte apressada está radiante por ter essas memórias.

— A gente se fala amanhã — diz Eduardo, segurando meu rosto com ambas as mãos.

Assinto, segurando um sorrisinho nos lábios, os quais ele beija rapidamente.

Descemos as escadas meio correndo, meio pulando, e decidimos pegar o elevador quando vemos que ele está parado no décimo andar. Porém, Eduardo aperta o botão para que ele pare no terceiro andar, me dá mais um beijo rápido e diz

— Vou pelas escadas. Você vai chegar lá mais rápido, e eu preferia não ter que participar de uma despedida esquisita com seu irmão hoje.

Balanço a cabeça de um lado para o outro, rindo. Vejo Eduardo seguindo para as escadas quando o elevador se fecha, e sinto vontade de enfiar o braço entre as portas, segurar sua mão e lhe acompanhar pelas escadas, só para perder um pouco mais de tempo parados entre um degrau e outro, não realmente preocupados em chegar até lá embaixo.

Mas continuo parada, com as mãos entrelaçadas apoiando o queixo. Fecho os olhos com força e abro um sorriso escancarado, só para mim. E, bem, eu acho que para as câmeras de segurança. Mas sequer me importo se alguém está me vendo e descobriu nosso segredo.


Estágio 2 da paixão: o sonho.

Nesse estágio, há sempre aquele olhar sonhador, ao longe, que o indivíduo se perde enquanto devaneia sobre a pessoa atingida pela flecha da paixonite. Pode ou não haver investida na paixão, e mesmo quando não há reciprocidade, os efeitos são os mesmos. Em caso de correspondência, é difícil informar, mas há muito mais chances de o indivíduo não conseguir sair dessa fácil. Sabe aquela cena de filme em que tudo dá certo, e o que nos é mostrado na tela consiste em uma compilação de momentos felizes, beijos na chuva, mãos entrelaçadas e sorrisos avantajados? É exatamente isso. O sonho.


Enrico começa a andar na direção que nos leva para casa assim que me vê, e eu preciso correr em passos pequenos para alcança-lo. Ele estica o braço para mim e eu me aninho debaixo do seu casaco—embora esteja uma noite quente, Enrico está sempre de moletom e capuz à noite.

— Não sabia que você era tão pontual — digo.

— Uma vez na vida, né? — Ele está olhando para a frente, focado no caminho.

As ruas ainda estão movimentadas, os bares ainda estão barulhentos. Por algumas horas eu pensei, lá do alto, que a cidade inteira estava em silêncio.

— Você conseguiu ver a chuva de meteoros? — pergunto, olhando para cima, tentando ver sua expressão.

Meus irmãos puxaram a altura do meu pai, o que não acho justo. Além de ser a mais nova dos três, sou a menor. O que sempre é alvo de piadas.

— Eu não tentei, na verdade... — ele diz, e eu murcho um pouco. — Mas depois você me conta como foi.

— Uhum — respondo, mas sei que o assunto nem vai vir à tona de novo. E acho até bom. Se eu ficar falando e falando sobre essa noite, vai parecer real demais. E na minha cabeça quase faz parte de um sonho.

Peixe Fora D'águaOnde histórias criam vida. Descubra agora