O maníaco

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Gerônimo Severo caminhou pela praia, já cercada de médicos legistas, outros policiais e no entorno, membros da imprensa ansiosos pelas palavras do investigador.

Não falaria nada até que tivesse alguma informação substancial; e mesmo assim, só diria o básico. Era um caso complexo demais para dizer qualquer coisa aos jornalistas, especialmente os que farejavam sangue nos programas policiais de meio-dia. Sua pouca ou nenhuma paciência com aquele tipo de profissional ficava escondida sob uma máscara de frieza e estoicismo que desenvolveu com perfeição nos mais de dez anos que trabalhava na polícia.

O dia estava quente e nem eram dez da manhã, mas pelo menos Severo inconscientemente lembrou-se de que vivia em Salvador e não veio à cena do crime, uma prainha ao lado da marina e de um restaurante caríssimo da cidade, de casaco de couro. Suas botas de combate estavam lá, assim como a calça cargo militar; mas o colete sem manga que mostrava a tatuagem que cobria o braço e a regata verde-musgo indicavam que ele tinha alguma percepção de que fazia calor.

Os olhos, ora cor de mel, ora verdes, encaravam o corpo da jovem prostituta com atenção. Parecia nova: dezoito, dezenove anos, e já naquela vida. A pele morena estava pálida, e a cabeça virada levemente para o lado mostrava os olhos esbugalhados e assustados de quem sofreu na hora de morrer. Não parecia ter sofrido violência sexual – o "assassino do aplicativo" nunca estuprou suas vítimas. Suas impressões digitais ou traços de DNA não apareciam no corpo das mulheres; e mesmo com a jovem sendo morta num lugar próximo a casas residenciais, não havia testemunha de seu crime.

- Alguma coisa sobre espancamento? Pode ter lutado, resistido?

- Não, investigador – respondeu o legista, sóbrio, enquanto os dois se encontravam no Departamento de Perícia Técnica em meio às primeiras análises do corpo. – Não consegui encontrar nada diferente no meio das unhas.

- Drogas no corpo?

- Nada. Estava limpa.

Severo cruzou os braços. O "assassino do aplicativo" parecia estar retomando sua espiral assassina da forma que fizera dois anos antes.

- Voltou com força total: primeiro matando as prostitutas viciadas, depois as limpas... Precisamos descobrir onde ele a buscou e tentar refazer os passos dela.

Retornou à delegacia, que era perto do DPT, e pensava em tudo que o caso representava no caminho. As lacunas do crime que o incomodavam, e como o serial killer aproveitava todas as oportunidades concedidas por essas lacunas. Severo não era do tipo que buscava humanizar as situações e fazer amizade com as vítimas para conseguir a informação de que necessitava. Elas eram pistas, números, figuras de investigação e como tais deveriam falar o que sabiam.

- Eu também acho que tem lacunas - começou Lourival Elias, coçando a cabeça grisalha durante a reunião na sala do investigador. Janderson Monteiro também estava presente e atento às considerações de Severo. – Eu não acho que ele leve as vítimas direto pra praia. Elas morrem com o rosto muito assustado para terminar tudo aí.

- Concordo. Ele deve segurar essas mulheres em algum lugar e esperar a hora certa. – comentou Janderson. – Os peritos já determinaram o período em que ela morreu?

- Assim como em todas as vezes: entre 2h30 e 3h da manhã. – respondeu Severo.

- Oxe, 2h30 ainda tem gente circulando na Contorno vindo de reggae. Tem as festas na marina, nas lanchas. Alguém pode ter visto ou ouvido.

- Ninguém viu nada. Eu preciso repensar como ele comete esses crimes para pegá-lo: ele sequestra a moça, fica sei lá quantas horas com ela a aterrorizando e depois a mata? Por que nunca vimos marcas de espancamento ou ferimentos para pensarmos nessa possibilidade?

Cavaleiros da NoiteDonde viven las historias. Descúbrelo ahora