Laços de amor

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- Filha...!

Aquela voz tinha algo que Bel jurava ser delírio da sua mente: calor humano, bondade, empatia. Medo da rejeição. Carinho. E o olhar que o dono daquela voz lhe depositava era um olhar que misturava sentimentos confusos: agradecimento, cuidado, sentimento de proteção, dor, arrependimento.

Saulo Cardoso não parecia o homem arrogante que tantas vezes a humilhou. Caminhava em sua direção, indeciso se seria bem recebido pela jovem, com as mãos nos bolsos e os cabelos crespos, grisalhos, como se tivesse envelhecido anos. Pouco atrás, Nora segurava a bolsa de alça nervosamente, os olhos marejados e a face desesperada – enxergava Bel da mesma forma que uma mãe não via a filha perdida há anos. A jovem ainda conseguiu ver, de longe, o rosto irritado por trás dos óculos escuros de grife, Michelle com a expressão de quem não queria estar ali. A única que aparentemente não recebeu bem a informação passada pelos pais em Morro de São Paulo.

- NÃO! NÃO, não, não! Isso não é possível! Ela... Ela não pode ser minha irmã! Não somos nem parecidas, ela é mais escura do que eu! IMPOSSÍVEL PAPAI! – Michelle estava tão possessa com a revelação que jogou o celular na parede, quebrando em pedaços.

- Cale a boca e respire fundo! – Saulo ralhou, já impaciente – Pare com esses chiliques idiotas e aceite! Isabel é minha filha e sua irmã!

- Deve... Deve ter algum erro nesse DNA... Não tem essa história de que são 99%? Tem sempre o 1% que pode ser a taxa de erro... Tem que ser a taxa de erro!

- Impossível. Pedi o sangue de Isabel assim que soube que foi ela quem doou para mim. – a revelação deixou Michelle embasbacada. "Não pode ser... A puta tem o mesmo sangue do meu pai! Por que ela e não eu?" – Até faz sentido a minha recuperação ter sido rápida e não ter tido maiores problemas. Era o sangue da minha filha. Fiz o exame de DNA e não deu outro resultado. Ela é minha filha e de Nora, e também é sua irmã mais nova. Minha esposa nunca teve filha de outro.

Abraçou Nora e a beijou. O rosto da mulher mostrava verdadeiro alívio em finalmente saber que nunca tinha levado nada de Valmir para sua casa.

- Eu... Eu não aceito...

- Mas vai aceitar. Isabel salvou minha vida, é a minha filha. Minha caçula. Uma boa moça, honesta, correta. Me disseram que é professora, dá aulas. Tem carteira assinada, bate ponto. Deveria ser como ela, Michelle.

- Não, eu não acredito nisso... Agora a puta é perfeita, a filhinha que vocês sempre quiseram. Vão mostrar a nova foto de família pra Alberto Cavalcante de Menezes manter o seu emprego, papai? Você, mamãe que não traiu papai, eu, a filha que transou com o psicopata, e a caçula anjinho... Aquela vadia de quinta é um demônio, isso sim-

Michelle foi interrompida por um tapa dado por Nora, que tremeu assim que viu o resultado da sua agressão.

- CALE A BOCA, MICHELLE! Você é má, cruel... Quem é você... Eu não acredito que criei esse monstro!

- Você criou esse monstro que tanto dizem, vocês dois! Agora aguentem! Eu não vou aceitar a presença dessa vagabunda na minha casa!

Foi a vez de Saulo perder a paciência:

- Quem é a vagabunda aqui, Michelle? Você foi quem traiu Daniel Vilas Bôas com um assassino! Engole o choro que nós vamos voltar pra Salvador e conversar com Isabel. Quero minha filha de volta para casa.

- O QUÊ?

- Aceite. Isabel vai morar conosco, ter direito a tudo, e viver no conforto que ela merece.

E lá estavam os três, humildes diante de Bel, que segurava as mãos de Severo como se buscasse nele a força para responder àquele chamado súplice de Saulo. Algo que ela buscou durante toda a infância, mas não imaginava por que ele apareceria repentinamente falando como se fosse seu pai.

Cavaleiros da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora