#28

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Eu sai da academia de box e ainda me sentia disperso e estressado então fui comer em um restaurante ali perto e finalizei meu dia treinando na academia de musculação. Eu já me sentia um pouco melhor enquanto dirigia para casa depois de gastar tanta energia, o dia já estava virando noite quando deixei meu carro na garagem ao lado do carro de Hellena. Eu sabia que teria em encara-la e dar respostas para ela, mas decidi que depois pensaria melhor sobre o que eu iria dizer. Tudo o que eu sabia é que meus planos já tinham ido por água abaixo, eu não poderia ferir nem ela e nem aquelas crianças ou jamais me perdoaria por isso.

Eu subi as escadas e ao passar pela porta fechada do quarto de Hellena eu me perguntei o que ela deveria estar fazendo la dentro, o que estaria pensando? Mas joguei esses pensamentos para longe e entrei no meu quarto e fui direto tomar um bom banho. Ao sair do banho eu esfreguei a toalha em meu cabelo, vesti uma bermuda de sarja preta e desci para comer alguma coisa.
Preparei um sanduíche e enquanto estava comendo sentado na bancada Hellena desceu as escadas e parou atrás de mim, eu me preparei mentalmente para lidar com aquilo, ainda não sabia o que dizer então precisava improvisar. Por mais que eu tivesse desistido daquela ideia idiota, ela jamais poderia saber que eu havia considerado fazer aquilo, pois ela já me achava ruim o suficiente, não precisava de mais motivos e eu não queria que ela tivesse mais motivos.
- Primeiramente, você não tem uma blusa? - Ela perguntou. Eu olhei instintivamente para meu próprio corpo. Eu costumava ficar sem blusa o tempo todo quando estava sozinho em casa então mal percebi que reproduzi meu hábito aqui.

- Isso te incomoda? - Perguntei.
- Na verdade sim, é bem desconfortável. Acho que precisamos de algumas regras de convivência. Regra número 1: Não andar semi-nu pela casa. - Ela disse parecendo bem séria. Por algum motivo eu senti vontade de rir.
- Mas por que considera isso desconfortável? - Eu questionei. Uma dúvida real sobre isso nasceu na minha mente naquele momento. Será que Hellena realmente não sentia um pingo de atração por mim? Se ela não sentisse, não seria desconfortável para ela me ver sem blusa, seria? Eu recuei esses pensamentos intrusivos, não deveria me importar com isso. Eu poderia ter a garota que eu quisesse lá fora, mas essa literalmente me odiava e deixava isso bem claro.
- Isso não importa agora. Temos outros assuntos para tratar. Pode começar a falar! - Ela disse.

- Falar sobre o que? - Eu disse me virando no banco da bancada para olhar para ela. Eu sabia exatamente do que ela estava falando mas me fazia de desentendido para tentar ganhar tempo.
- O que você estava fazendo naquele Orfanato hoje? - Ela perguntou cruzando os braços. Olhava fixamente para meu rosto.
- Eu fui conhecer o lugar. Estou pensando em fazer algumas doações. - eu disse, torcendo para ser convincente. Mas certamente não havia sido, por que ela riu.
- Liam Suller fazendo doações para um Orfanato de crianças? Sério? Você acha mesmo que eu vou acreditar nisso? - falou. Quando ela disse isso eu me senti mal novamente, ela realmente me achava tão horrível a ponto de pensar a ideia de eu apoiar uma causa beneficiente parecia uma piada.
- Por que não acredita? - Perguntei, tentando soar natural.
- Por que você é aparentemente ruim de nascença. Praticava bullying com outras crianças quando era mais novo, não se importa com ninguém além de você mesmo, é egoísta, superficial, mesquinho, egocêntrico, arrogante e calculista. - Soltou ela. Mas pela primeira vez eu não fiquei chateado ou pensei em revidar as ofensas. Ela tinha razão e provavelmente eu precisava repensar minhas atitudes. Eu não sabia bem o que dizer, eu geralmente a provocaria de volta, mas enquanto eu olhava para os seus olhos direcionados a mim eu só conseguia me lembrar daquele micro segundo no orfanato em que eu vi tanta pureza nos olhos dela e vi em meu próprio reflexo toda a sujeira que existia em mim. Eu não queria mais me ver daquela forma de novo. Acho que antes era difícil reconhecer minhas atitudes ruins quando eu estava rodeado de pessoas que ficavam o tempo todo aumentando meu ego, mulheres que me desejavam, amigos que me bajulavam, o dinheiro e a vida que eu vivia fazia eu pensar que eu era cheio de valor. Mas a verdade é que são coisas que o dinheiro e meu sobrenome compravam por mim. Longe daquela vida e diante de uma pessoa puramente boa, eu conseguia ver quem eu realmente era. Hellena não estava me insultando mas sendo um espelho para mim, um espelho que mostrava coisas sobre mim que eu não queria ver, afinal os adjetivos que ela usava para me descrever me lembravam muito os adjetivos que eu já usei para descrever alguém que havia me ferido muito e que eu jurei para mim mesmo que jamais iria me tornar: o meu pai. Mas para tentar atingir ele, eu acabei ferindo pessoas sem medir as consequências, eu acabei me tornando algo ruim... Alguém desumano o suficiente para planejar arruinar a vida de crianças inocentes que já tinham tido suas vidas arruinadas. Eu olhei tão fundo nos olhos de Hellena que ela pareceu se incomodar e quebrou o contato visual. Mas eu queria olhar nos olhos dela, eu não queria mais fugir do meu reflexo eu queria encarar e lutar contra ele.

- Você não vai falar nada? - Ela perguntou, parecia confusa. Sabia que ela esperava que rebatesse suas ofensas ou debochasse dela. Mas eu mal sabia o que dizer, nada que eu dissesse faria ela entender o impacto que ela tinha causado na minha vida naquele dia.
- Eu não tenho nada para falar. - Eu disse, não menti.
- Fala a verdade. - Ela falou voltando a me olhar nos olhos.
- Eu to falando. - Eu disse, mas pela expressão no rosto dela, ela ainda não parecia convencida. Eu a vi respirar fundo.
- Liam, eu só quero te pedir uma coisa. Não faça nada para prejudicar aquelas crianças, sério. Se isso é sobre o cargo, nós... podemos conversar. Mas não faça nada com elas. Por favor. - Ela disse. De novo eu vi aquela pureza brilhar nos olhos dela, senti algo estranho em meu peito. Ver ela pedindo "por favor" de uma tão sincera foi como um soco em meu estômago. É claro que ela desconfiava do que eu planejava fazer, ela realmente conseguia esperar o pior de mim, por que por um momento eu realmente foi capaz de fazer o pior com ela. Eu senti uma nova e desconhecida necessidade de me sentir perdoado por ela e provar para ela que eu não era tão ruim quanto ela pensava.
- Eu não vou fazer isso Hellena, não se preocupe. - Eu disse, me levantando. Ficar ali estava me causando estranhas reações que eu jamais havia provado e eu precisava fugir daquilo. Ficar ali olhando para ela não estava ajudando.
- Eu não acredito em você. - Ela disse enquanto eu subia as escadas.
- Eu não posso fazer nada quanto a isso. - Eu respondi.
- Liam! Liam volte aqui. - Ela gritava antes de eu chegar no topo das escadas.

Eu entrei em meu quarto, fechei a porta atrás de mim e respirei fundo. Não conseguia entender ao certo o que estava acontecendo dentro de mim naquele momento mas eu me sentia em débito com Hellena e com aquelas crianças. Mesmo que não tivesse chegado a cumprir o que eu planejava, eu ainda me sentia muito mal pelo o que eu considerei e cheguei perto de fazer. Eu me sentei em minha cama e peguei meu celular e liguei para o número de telefone do orfanato, que havia pego no Google, e no terceiro toque uma voz feminina atendeu:
- Olá, boa noite! Orfanato Santa Tereza. Posso ajudar? -
- Boa noite, eu gostaria de fazer uma doação... -

Amor em Chamas: O ContratoWhere stories live. Discover now