Capítulo 33

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Uma semana após o nascimento de Noah, estávamos os três deitados na minha cama. Ele estava chorando inquieto ao meu lado, já tinha mamado, a fralda tinha sido trocada e mesmo assim nada o acalmava.

Ray levantou pensativo e pareceu procurar por algo no quarto. Logo ele voltou com sua guitarra em mãos. Sentou novamente na cama e começou a dedilhar algumas notas inicialmente aleatórias, entretanto aos poucos a melodia foi ganhando forma e começou a cantar Stairway to Heaven do Led Zeppelin, uma música extremamente tranquila. Noah parou de chorar e olhou fixamente para o pai, parecia encantado.

Comecei a cantar timidamente o seguindo no refrão, acabei me empolgando e fechando os olhos, sentindo a intensidade da música. A letra falava sobre uma mulher que compraria uma escadaria para o paraíso. Era uma grande e pesada crítica aos que pensam que podem comprar sua salvação.

Abri os olhos no final da canção e me deparei com Ray me observando de uma forma diferente. Franzi a testa, confusa por não conseguir decifrar o brilho sinuoso presente nos olhos dele.

— Acho que Noah também se apaixonou pela voz do pai. Olha como ele ficou mais calmo depois de te ouvir. — Comentei e Ray ergueu a sobrancelha.

— Também?

— Ah, qual é? Não é nenhum segredo para você que eu sou apaixonada por sua voz. — Respondi dando de ombros e ele sorriu.

— Só a voz?

— Está querendo uma declaração uma hora dessas? — Ironizei e ele voltou a me observar de forma enigmática. — O que foi? Por que está me olhando assim? — Questionei vendo ele pousar a guitarra sobre as pernas dobradas.

— Eu que quero fazer uma declaração agora. Eu sou apaixonado pelos seus olhos acinzentados quando me olham de forma doce. Sou apaixonado pelo som da sua risada. Sou apaixonado pelos seus cabelos dourados, e adoro quando você deita no meu peito e eles fazem cócegas no meu nariz. — Contou me fazendo rir. — Sou apaixonado por sua pele que se arrepia quando eu a toco. Sou apaixonado por sua doçura, pelo seu jeito espontâneo de ser, de dizer o que pensa. E agora descobri que também sou apaixonado por sua voz cantando.

— Jamais imaginei ver o rockeiro mais encrenqueiro desse mundo me dizendo coisas tão doces. — Comentei sem jeito e ele sustentou o meu olhar.

— Você merece. E canta muito bem. Deveria investir nisso. — Insistiu pegando um caderno sobre a cômoda e uma caneta, anotando algo.

— Você está certo. Talvez eu vire uma estrela do rock e saia dando porradas em paparazzis por aí. — Brinquei e ele riu.

— Você não está me levando a sério. — Resmungou sem tirar a atenção do papel à sua frente.

— Ok. Vou fingir que acredito, mas me conta, o que tanto você anota aí no papel?

— Estou escrevendo uma nova música.

— Que máximo! Sobre o que é?

— Ainda não posso falar. — Respondeu misterioso e então me olhou suspirando. — Não estou conseguindo escrever o que eu queria. A letra ficou pequena. Acho que quando eu mais preciso perco as palavras.

— Me mostra! — Pedi curiosa e ele negou com a cabeça.

— Depois eu te mostro. Agora vamos colocar esse pequeno no berço, pois minha mãe me disse que é bom ele acostumar no cantinho dele.

— Tadinho, Ray! Ele vai ficar tão sozinho lá.

— Eu sei que vamos morrer de saudade, mas é melhor para ele.

— Eu sei, mas mesmo assim... — Fiz beicinho e ele riu se aproximando e me dando um beijo.

— Eu queria congelar esse momento e ficar com vocês dois para sempre.

— Então fica! — Pedi e ele largou a guitarra de lado, deitando inesperadamente sobre mim.

Nos beijamos novamente, mais intensamente e demorado que antes. Olhamos para o lado nos deparando com os olhinhos azuis mais fofos do mundo. 

Se eu pudesse, também congelaria aquele momento.

***

Tomei um banho mega relaxante enquanto meu pai se prontificou a ficar com Noah.  Ray havia saído para a finalização da gravação de seu novo álbum. Eu já conhecia a maioria das novas músicas, outras porém ele cismou de fazer mistério.

Enrolei no roupão e fui para o meu quarto. Vesti uma roupa confortável e peguei o pente para desembaraçar meus cabelos. Segui para o quarto de Noah e parei no batente da porta ao ouvir a voz do meu pai.

— Sabe, Noah, eu e sua avó materna nos separamos muito antes de você nascer. Por isso você não a conhece. O nome dela é Francine, mas ela não é nada legal. Não estou falando isso porque ela tomou minha casa. Estou apenas te explicando para que você não crie esperanças se algum dia conhecê-la. Depois que nos divorciamos nunca mais a vimos. — Meu pai explicou enquanto trocava cuidadosamente a fralda do neto. Noah por sua vez estava com os olhinhos azuis arregalados, ouvindo atentamente a história do avô. Cruzei os braços observando a cena. — Mas foi melhor assim. Eu nunca a amei de verdade, sabe? E eu espero do fundo do meu coração que quando você se casar, que seja com alguém que te ame e que você ame também. Que seja alguém divertido e interessante como a sua avó. Não a sua avó Francine que nem quis te conhecer, estou falando da sua avó Kristen, que te adora e fica soprando os lábios fazendo barulhos que te fazem rir. Me diz uma coisa, você acha ela bonita? Porque eu acho. E além do mais... — No exato momento em que meu pai virou jogando a fralda no lixo ele paralisou ao me ver. — Filha, eu... Estou trocando o Noah... Ele... Eu... — Começou a gaguejar nervoso e eu me aproximei dele.

— Pai, o senhor não acha que já adiou demais a sua felicidade?

— Eu não sei do que você está falando, April. — Respondeu desviando o olhar.

— Mas o Noah sabe. E aposto que ele concorda comigo que você deveria chamar uma certa mãe de um certo namorado meu para sair. — Aconselhei piscando para ele que ficou instantaneamente pálido, completamente sem jeito.

— Ah, você ouviu... Era só uma conversa de homem para homem com o meu neto. — Deu de ombros voltando a olhar para Noah e abotoou o macacão azul dele que mexia as perninhas inquieto.

— Pois agora é uma conversa entre um homem que já perdeu muito tempo na vida em um casamento falido, e uma filha que só quer que o pai seja imensamente feliz, que reconhece todos os sacrifícios feitos e agradece, mas que te ama incondicionalmente ao ponto de te dizer: diz para a Kristen o que sente em relação à ela.

Ele voltou a me olhar ainda sem jeito e pegou Noah no colo. Balançou sutilmente o neto e suspirou contrariado.

— Não posso fazer isso. E se ela não sentir o mesmo por mim?

— O senhor só vai saber perguntando.

— Mas também tem os filhos dela... — Tentou argumentar e eu toquei no ombro dele.

— Pai, tanto o Ray quanto o Joshua só querem que a mãe seja feliz. Eu tenho certeza absoluta que eles de forma alguma serão um empecilho.

— Não é só isso...

— É o quê então?

— Acho que estou com medo de tomar um fora. — Confessou e eu sorri o olhando nos olhos.

— Cair e ralar os joelhos fazem parte da vida, pai. O importante é depois da queda...

— Levantar. — Ele completou o próprio conselho que havia me dado meses atrás, quando eu estava desesperada ao descobrir sobre minha gravidez.

Ele então sorriu confiante e me puxou para um abraço, que se tornou um abraço sanduíche em Noah que sorriu com a situação.

— Eu te amo, filha!

— Eu te amo muito, pai! Não deixa mais para depois a sua felicidade. Faça isso por nós. — Pedi e ele olhou para o neto que pareceu concordar risonho.

Depois Daquela NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora