Do Terceirão Para a Vida

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Na manhã seguinte, acordo antes mesmo do despertador tocar. O quarto está escuro e frio, o que me faz querer voltar a dormir. Além disso, me sinto exausta. Passei a madrugada inteira com a cabeça fervilhando de ideias e só consegui me aquietar quando coloquei os fones de ouvido. Não tem internet nesse inferno de lugar, mas eu havia feito o download de algumas músicas antes de entrar no programa. Preciso lembrar de atualizar a minha playlist quando tivermos a próxima hora de conexão com o mundo.

O lado bom é que essas horas acordada me deram uma ótima ideia para um plano de vingança. Ele precisa de um pouco de aperfeiçoamento, mas tem potencial para causar um estrago enorme da vida do Lucas. Desisti de armar uma humilhação ou algo do tipo assim que pensei em como ele se safaria facilmente de uma situação dessas. Uma sessão de fotos sem camisa ou uma música brega e chata seria o suficiente para que as pessoas esquecessem qualquer vexame. O que eu preciso, na verdade, é que as pessoas o odeiem, que passem a montar listas em redes sociais com tudo de ruim que ele já fez ou que queimem todos os CDS que compraram. Uma vergonha não é tão memorável quanto um erro. Ao invés de fazê-lo virar piada, quero que as pessoas vejam a pessoa horrível que ele é. Quando isso acontecer, Lucas perderá tudo: fãs, carreira e dignidade — o que é muito melhor do que simplesmente raspar o seu cabelo durante o sono, como planejei por anos.

Como farei isso? Simples! Lucas vai dizer, em rede nacional, tudo o que fez comigo. Todos os detalhes, a traição, o seu comportamento, os pequenos delitos contra a minha autoestima. É desse jeito que as pessoas finalmente vão perceber que ele não é um santo, nem o homem dos sonhos. A imagem que Lucas vende de si é falsa. As coisas que ele diz em suas músicas são mentiras. Quando finalmente acontecer, tudo estará arruinado para ele.

Para isso, preciso que se apaixone por mim novamente. É o único jeito dele dar o braço a torcer, conhecendo-o como conheço. Lucas é esperto e orgulhoso demais para se entregar em uma discussão. Ele sempre foi mais controlado que eu, longe do tipo que explode e fala a primeira coisa que vem à cabeça, e não deixaria escapar todos os seus erros verbalmente. A única vez que ele faz isso foi na nossa formatura, depois que o desmascarei. Estávamos no meio do estacionamento, eu em prantos e ele com a camisa social desabotoada. Minha melhor amiga logo atrás, perto da saída, como se estivesse pronta para correr. Lucas me olhou de um jeito que eu nunca havia visto e pediu desculpas. Foi a primeira e única vez que ele disse que me amava.

Não gosto de pensar naquela noite, naquele momento. Não pelo que aconteceu entre nós, mas pelo que houve depois. Eu fiz uma coisa horrível, algo imperdoável até mesmo para alguém magoado. Talvez, se eu estivesse menos bêbada...

Mas não vou pensar mais nisso. Fiquei dez anos lutando contra essas lembranças, não vou deixá-las voltar agora. Preciso manter o foco na missão de fazer Lucas se apaixonar tanto por mim que vai precisar pedir desculpas por tudo o que fez, dizendo em voz alta cada pequeno deslize que cometeu.

Levanto da cama e entro no banheiro. Ligo o chuveiro, escovo os dentes enquanto a água esquenta e depois que termino coloco roupas confortáveis. Quando volto para o quarto, noto que ainda faltam quarenta minutos para o café. Decido gastar esse tempo na cama, usufruindo de alguns dos meus minutos de internet. Mando uma mensagem para Priscila, pedindo para ela fazer algumas pesquisas para mim. Como não sei se eles checam histórico de navegação dos participantes ou algo do tipo, preferi não arriscar. Apago a mensagem assim que Priscila lê e saio para o café, vendo que hoje sou a segunda a aparecer na mesa.