1. O que vigia nas trevas

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Essa não é uma história sobre coisas boas.
A Velha Ama diz que não se deve escrever com raiva.
Mas nem de bons sentimentos vive o mundo.
Alguns sentimentos são feitos de maldade...e de vingança.

O QUE VIGIA NAS TREVAS

Aconteceu perto do cais.
O corpo estava fresco quando foi posto no saco.
Era apenas uma criança. Tinha por volta de 14 anos.
A policia fez um cordão de isolamento. Mas lógico isso não impediu a chegada de curiosos.
O estivador estava transtornado.
O corpo da menina tinha recebido 14 facadas. Ele a havia encontrado. Havia furos em todas as partes do corpo.
A polícia nada pôde fazer, a não ser coletar o depoimento do pobre homem. Era pai solteiro, e tinha 2 filhas, porém a visão da morte da inocência diante de seus olhos, o fez ficar desesperado.
Para a polícia, era apenas mais uma vítima do Bairro do Cais. O bairro mais sujo e violento daquela cidade. Um assassinato como aquele acontecia várias vezes por dia.

- Já te disse que não vou te dar nenhuma entrevista.
- A função de um jornalista é retratar o que acontece.
- Uhum. Já escutei essa sua ladainha antes - saindo do furgão do IML onde tinha sido colocada a vítima - Escute cidadão, eu não vejo muitos dos seus preocupados com a verdade. Por quê não se junta a eles e vai cobrir algum político?

O jovem, de bolsa de alça, ajeitou o óculos e retirou a caneta barata e o bloquinho inseparável de notas.

- Senhor oficial. Se todos nós virarmos as costas para o que está acontecendo, então essa cidade não terá nenhuma esperança.

O oficial engoliu em seco.

- Quem é a vítima?
- Chama-se Agnes. Tinha 14 anos.

Os dois trocaram um suspiro de tristeza.

- O corpo foi duranente castigado.
- Algum sinal de violação?
- Ainda não pudemos verificar.
- Eu vou com você.
- Cidadão. Eu não disse que podia.
- Não estou pedindo sua permissão - tirou um cigarro e encostou o corpo na van, o guarda suspirou
- Saímos em cinco minutos.

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Limpou a faca suja de sangue na camisa.
Estava tremendo. Que guria maluca. Como ele iria imaginar que ela tentaria algo parecido.
Já havia estuprado umas 4. Elas nem reagiram.
Costumava rir da piada que faziam na tv. Chamavam ele de "excluído da sociedade". Que bela baboseira.
Fazia por que gostava. E pronto.
Como aquele filme pirata que tinha assistido de detetive. Aquele gordão no final era tudo a ver com ele.
Já tinha assistido aquele dvd umas 10 vezes.
Os containers eram um ótimo lugar pra se esconder. Era só esperar os caras liberarem a área e sair fora. Depois era só planejar a próxima vítima.
Usaria uma faca dessa vez. Talvez aquela de combate, estilo Rambo, lembrou de outro filme, "você é a doença e eu sou a cura", girou a butterfly na mão. Gostava de se sentir poderoso assim.
Dentro do container do cais do porto estava seguro. Só tinha um problema, o frio. Mas a barra tava quase limpa.

Foi aí que um tapa na estrutura de metal ecoou na noite. Que fez que ele sentisse seu sangue gelar. Saiu de lá apavorado. Tremia.
Como bom covarde que sempre foi, sempre mantinha consigo uma arma a tiracolo. Aliás já tinha posto essa arma na boca de muitas mulheres.

Foi aí que a lâmpada que iluminava aquela sessão do cais explodiu. Virou tudo um breu.

- Caralho, que porra é essa! - só tinha a lanterna do celular

E agora ouvia passos. O barulho de tapas na chapa de metal parecia vir de várias direções. O bandido apontou o seu 38. A lâmpada acendeu uma vez e voltou a apagar.

- Caralho! Quem é você?

Não houve tempo pra ter uma resposta. Algo o levantou a dois metros do chão, espremendo-o no metal do container enferrujado.
Um último tiro disparado ecoou em seco. Foi balançado como um lagarto que é preso em um fio de alta tensão.
A mão que estava no pescoço começou a esmagá-lo. Trevas totais e absolutas. A outra atravessou seu abdomen. Atravessou como se sua pele fosse de manteiga.
Puxou suas tripas enquanto o sangue golfava pela boca. Amarrado por seu próprio intestino, foi espetado na ponta do container, próximo a porta.
Mas ainda estava vivo e mesmo na escuridão viu com horror o vermelho dos seus olhos...até receber a sua butterfly no meio da sua testa.

Perto dali, mendigos se abrigavam do frio. Luzes piscavam.

- Começou.

"Em gerações perantes sua glória ensanguentada
Eu te rejeito
Eu te nego
Duvido que você continue.
Castigue o pastor e as ovelhas serão espalhadas"

(Lamb of God, Vigil)

O VigiaWhere stories live. Discover now