Capítulo 6 - Festejo Insólito

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Os guardas abriram passagem para a homenageada da noite adentrar no enorme Salão Cerimonial. Luna foi acolhida por palmas, sorrisos e olhares vazios. As famílias mais ricas de Soberania estavam ali por ela. Ao fundo, teclas de piano despejavam no ar uma canção antiga.

Estranhos se apresentaram a Luna, porém segundos depois ela esquecia seus nomes. Satalles levou-a até os tronos. Os convidados aquietaram-se, prestando atenção na garota que finalmente ficaria frente a frente ao rei, depois de salvá-lo.

— Estou imensamente grato por sua presença, Luna. Sua coragem me manteve vivo. Você é uma legítima heroína. Espero que goste do meu presente. — nesse momento o rei Solis ergueu as mãos gesticulando para a festa.

— É um pouco demais para mim — disse Luna, em tom de brincadeira. — Durante as festas do meu povo, eu ficava no alto das árvores — disse ela.

Todos os Albas presentes gargalharam em uníssono. Em seguida, distraíram-se em conversas paralelas, retomando assuntos inacabados com os demais convidados.

— Meu castelo é o seu lar, Luna. Quero que se sinta em casa — disse o rei, sorrindo para ela.

Ele se levantou do trono, estendeu a braço e beijou o dorso da mão de Luna, agradecido.

— Espero que aproveite essa nova fase da sua vida. Isso ainda é muito pouco comparado a tudo o que fez por mim — falou o rei, caminhando para o centro do salão.

— Meu rei, gostaria de lhe fazer um pedido... — disse Luna, antes que ele fosse em direção aos demais albas.

— Ficarei satisfeito em realizá-lo. Porém, hoje é noite de comemoração, minha salvadora. Portanto, quero que aproveite cada segundo.

O rei dirigiu-se a um grupo de Albas mais velhos. Luna foi servida com uma bebida amarga, que novamente a deixou enojada. Ela se serviu de um petisco, mas o gosto embrulhou seu estômago.

A próxima meia hora pareceu durar uma eternidade. Luna sentia-se deslocada, presa naquele evento fútil. Se pudesse, correria de volta ao quarto.

De repente, uma curiosidade inundou os pensamentos dela. Ela esquadrinhou todos os cantos do salão, fitando cada rosto, buscando outros de sua raça. Foi quando ela constatou que nenhum dos convidados era Hyacinthum. A princípio, apenas albas estavam presentes naquela celebração.

— Eu sei o que está procurando. Acredite, Luna, você não é única Hyacinthum aqui. — disse uma voz feminina vindo detrás de Luna. O som da voz era doce, as palavras ditas com calma. — Posso ver nos seus olhos a curiosidade.

Rainha Caelis era uma Alba bela. Longos cabelos escuros caiam sobre seus ombros como uma cascata. A coroa combinava com o seu rosto fino, ressaltando seus olhos amêndoas. Cada movimento dela era uma prova de anos estudando etiqueta.

— É uma honra, majestade! — Exclamou Luna, surpresa.

— Acredite, Luna. A honra é minha — disse a outra.

— Imagina — balbuciou Luna. — Sou apenas uma Hyacinthum como qualquer outro.

— Não se engane. Você é a luz para esse mundo. — As palavras saiam da boca da rainha como um discurso ensaiado há dias. — Nossa sociedade precisa de mais pessoas como você.

— Como eu? Como assim? — indagou Luna.

— Pessoas dispostas a arriscar a vida pela salvação alheia — respondeu a rainha. — Eu percebi que você buscava algo nessa multidão de desconhecidos, certo? Você procura os seus iguais?

Luna confirmou com a cabeça. A monarca movimentou os olhos indicando uma direção. De relance, Luna avistou dois Hyacinthums. Uma serviçal consumida pelo cansaço, usando roupas diferente dos demais serviçais do castelo. Ao lado dela, um servente que limpava talheres mantinha os olhos baixos. Ambos estavam num canto do recinto, despercebidos dentro do enorme salão.

Esse é o nosso lugar?! pensou a garota, indignada. Luna olhou de volta para a rainha, percebendo no rosto da monarca uma expressão misteriosa.

— O que está pensando, Luna? — murmurou a rainha.

— Majestade o que acontecerá, caso eu não me adapte? — questionou a jovem.

— Aqui, todos encontram um lugar. — A rainha sorriu. Um sorriso falso.

O guerreiro Satalles surgiu, interrompendo a conversa. Luna percebeu o olhar de escárnio que a rainha lançou sobre ele.

— Perdão, vossa majestade, mas eu gostaria de tirar a Luna para uma dança — falou o guerreiro.

— Como sempre, um cavalheiro — disse a rainha, retornando ao seu trono. A voz dela agora possuía um tom áspero.

A garota fez uma reverência para sua majestade, em seguida acompanhou Satalles para o meio do salão. Ela segurou as mãos dele, seguindo o ritmo da música tocada por um pianista. Outros convidados faziam o mesmo.

— Como se sente recebendo toda essa recompensa? — indagou Satalles, girando Luna num passo de dança.

— Ainda não formei uma opinião sobre tudo isso.

— Não gosta de festas? — perguntou ele.

— Não muito. Mas, eu tenho uma opinião formada sobre você — disse ela, com desdém.

— E qual seria? — perguntou Satalles, curioso com aquelas palavras.

— Que você não é apenas o meu guia — revelou Luna.

O guerreiro soltou uma gargalhada. Luna o encarou com prepotência.

— Como eu disse antes, você é uma Hyacinthum incomum, senhorita Luna — falou ele, olhando-a fixamente.

No meio do passo de dança, algo roubou a atenção de Luna: um terceiro Hyacinthum do outro lado do salão, próximo a uma janela entreaberta. Algo estava errado com ele, pois lágrimas desciam por sua face. As roupas esfarrapadas. Cortes espalhados pelo corpo esquelético. Os olhos carregados de medo.

Ele fazia apenas uma coisa: observar Luna, somente ela, sem piscar.

Quando o estranho Hyacinthum percebeu que a Salvadora do Rei retribuía a troca de olhares, ele ergueu a mão calejada, levando o dedo indicador aos lábios. Shiu! mesmo naquela distância, Luna conseguiu entender o sussurro deixando os lábios dele. Espantada, Luna soltou os braços de Satalles e correu para ajudar o outro.

Os ombros dela chocando-se contra os convidados causou um grande tumulto. Porém, a tentativa de Luna falhou quando seu vestido a fez cair sobre uma armadura decorativa, causando um estardalhaço que ecoou pelo salão. Ajudada por um criado alba, ela se levantou com a mão cortada, gotas de sangue caindo sobre o carpete.

Silêncio sepulcral.

Todos no salão se calaram. A música tocada no piano cessou bruscamente. Os convidados encaravam Luna com expressões ferozes, olhos esbugalhados, sobrancelhas arqueadas e mãos tapando bocas abertas.

— Eu... Eu... — Luna não sabia o que fazer. — Sinto muito eu só queria ajudar. — Ela olhou em direção ao canto do salão.

O Hyacinthum esfarrapado não estava mais lá. Inesperadamente, o som de uma faca batendo sobre uma taça de cristal quebrou o estranho clima que pairou sobre a festa.

— Está na hora dos presentes! — Anunciou a rainha.

Após alguns minutos, com a mão enfaixada, Luna foi conduzida até uma cadeira de prata. Os convidados a presentearam com objetos caros, todavia tudo o que Luna sentiu foram olhares de julgamento. 

Naquele momento, algo dentro dela crescia. 

Um sentimento ruim, uma ira venenosa.


Fruto PodreWhere stories live. Discover now