Capítulo 6 _ Caminhos entrelaçados

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Mahara

Esperei pacientemente todos os outros alunos saírem da sala para poder me aproximar da professora Hilary. Ela havia deixado claro que gostaria de conversar comigo a sós.

— Que bom que você finalmente compareceu.

— Are, tenho trabalhado muito. — Expliquei cansada e ela colocou as mãos de forma engraçada na cintura.

— Eu não estou te criticando, querida. Sei bem como seu trabalho é pesado, mas precisava muito falar com você.

— Falar sobre o quê?

— O mês das inscrições das faculdades está se aproximando, e eu tenho certeza que você tem grandes chances de passar em qualquer uma que escolher. — Respondeu me deixando surpresa.

Meu coração bateu mais forte só de me imaginar em um curso superior. Seria a primeira da família a entrar numa faculdade e a única da minha vila. Porém, por mais lindo que o sonho fosse, na realidade era algo inalcançável.

— Narrin. Eu não posso me dedicar a uma faculdade, professora. Preciso trabalhar.

— O que você não pode de forma alguma é jogar fora o dom que tem para aprender coisas tão facilmente. — Insistiu me observando com expectativa aparente. — Mahara, não há nenhuma área que te interesse?

— Tike he, claro que sim. Entretanto... A senhora sabe...

— Não, por favor, não vamos contabilizar os obstáculos agora. Pense apenas que você pode dar uma vida melhor para os seus pais futuramente.

— Porém, o presente é mais importante que o futuro. Precisamos nos alimentar hoje e não daqui há quatro anos. — Respondi e ela ficou séria. — Desculpe, não queria te frustrar, é claro que eu sempre quis continuar estudando, mas não posso me dar a esse luxo. Minha família precisa de mim agora, entende?

— É claro que entendo, Mahara. Entretanto, se eu disser que posso te ajudar? — Sugeriu e eu franzi a testa, confusa.

— Ajudar? Mas como?

— Posso pagar uma quantia fixa para você, equivalente ao que você recebe com o lixo que recolhe diariamente. Assim você poderá se dedicar aos estudos e continuar ajudando em casa ao mesmo tempo. — Propôs voltando a sorrir.

— Por que a senhora faria isso?

— Porque acredito no seu potencial, Mahara. Sei que você pode ir longe. E quando você chegar nesse lugar que jamais imaginou alcançar, poderá incentivar as outras pessoas que assim como você, nasceram dalits e sem a mínima perspectiva de futuro, perceberem que todos podem vencer. É como uma atividade em cadeia, suas conquistas podem desencadear outras de seus semelhantes.

— É um pensamento muito bonito, professora, porém, distante da nossa realidade.

— Não ou como vocês dizem: narrin. — Replicou sorrindo com as próprias palavras. — Você não pode perder a fé no seu futuro. É uma aluna brilhante demais para ser ofuscada por preconceitos idiotas dessa terra. Ao menos pense sobre o assunto? Temos tempo até a data das inscrições, depois posso te ajudar para o teste de admissão. Pense que a mudança para uma Índia melhor pode começar por você.

Eu apenas assenti, não foi minha escolha ficar muda, acontece que repentinamente as palavras fugiram do meu alcance. Eu não tinha como respondê-la. Professora Hilary voltou a sorrir ternamente e me estendeu uma sacola.

— Roupas para lavar? — Questionei e ela negou com a cabeça.

— Não, são para você vestir. Eu havia comprado esses sáris por impulso e nunca usei. Creio que você fará melhor proveito do que eu.

— Professora, por que me ajuda tanto? — Questionei e o sorriso dela desapareceu completamente. Os olhos ficaram brilhantes de lágrimas e ela respirou fundo.

— Só esse ano, três dos meus quatro alunos dalits morreram devido a extrema miséria. Eu não quero o mesmo futuro para você, Mahara. Não quero mais perder meus alunos, nem que continuem assistindo isolados no fundo da sala. Dói muito ensinar tudo que sei para vocês e não poder sequer dar um diploma no final, porque o ódio infundado destruiu o que estávamos cultivando aqui. — Respondeu deixando uma lágrima escapar em seu rosto fino. — Por favor, não seja mais uma estatística!

— Eu não serei. — Prometi comovida e ela me lançou um sorriso fraco. — Shukriya! — Agradeci a reverenciando com meu coração aquecido pela sua ajuda.

🍃🍃🍃

— Are, como você está linda minha filha! Bela como a deusa Laksmi com essas roupas! — Mamadi elogiou quando vesti o sári amarelo com o véu da mesma cor também.

— Me sinto uma farsa ambulante. — Comentei alisando o tecido bordado e ela puxou meu queixo, me obrigando a encarar seus doces olhos.

— Mahara, você não é uma farsa. Sua professora está certa em insistir sobre seus estudos, sinto em meu coração que você nasceu para ir longe. Não deixe essa luz morrer em você por conta da nossa condição. — Aconselhou e eu a abracei apertado.

Mamadi era minha melhor amiga e minha maior motivadora. Ela e meu baldi eram as razões para considerar fazer faculdade, mesmo sabendo de todas as dificuldades que teria que enfrentar.

— Shukriya!

— Não precisa me agradecer. Agora vá fazer as compras que te pedi! — Ela se afastou. — Vá assim, linda com seu novo presente! De cabeça erguida como uma maharani, uma rainha.

Assenti emocionada e me abaixei tocando os pés dela, recebendo sua bênção antes de sair de casa.

Nas ruas era incrível como as pessoas passavam a me enxergar por estar bem-vestida. Era como se eu fosse duas mulheres, uma que existia apenas pelo tecido que adornava o meu corpo, e outra que era invisível por fazer parte da poeira da rua.

Estava no meio de uma multidão quando de repente alguém puxou a minha mão. Normalmente as pessoas não se tocavam na rua, muito menos ainda em mim. Acho que o meu susto foi visível, pois notei o olhar preocupado de Karan quando ele parou na minha frente. Ele finalmente soltou a minha mão e me saudou.

— Passei a noite toda pensando em tudo o que você me disse ontem. Por isso orei aos deuses para te reencontrar, e pelo visto eles também queriam esse nosso encontro. — Contou e eu franzi a testa.

— Por que queria tanto me encontrar?

— Eu preciso entender uma coisa. Pode ir em um lugar comigo?

— Que lugar? — Perguntei confusa e ele me estendeu uma pequena flor rosa.

— Sarnath. — Respondeu sério e eu sorri surpresa.

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