Prólogo: O que sobrou de ontem?

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Tudo estava revirado e nada fugia de ser uma completa confusão. As luzes apagadas agora substituídas por um único reflexo reluzente por conta do sol lá fora, a janela logo ao canto iluminava o vidro dos copos deixados de qualquer jeito pela mesa, o tapete se encontrava repleto de garrafas vazias e um rádio tocava algo suave nos fundos. Uma zona total para uma noite que foi transformada em dia por loucos que estavam sem a noção do que seria normal, com o juízo saindo aos poucos de dentro e dando lugar para todo tipo de insanidade que todos querem apreciar nem que seja por um minuto. Como alguns poetas que tentam a filosofia de vida poderiam dizer: as coisas malucas são o lar dos noturnos. E ela gostava disso. 

Natalie era o que se destacava ali. A sombra de seu corpo enfeitava o chão e seus cabelos levemente curtos encostavam sob ele, dando um aspecto de serenidade enquanto ela dormia pesado e em exaustão. Provavelmente não se lembraria das músicas que dançou, de quantas doses de vodca bebeu, de todos os beijos que deu e o porquê de tanta ressaca. Era como todas as vezes, nada conseguia ser uma novidade e mesmo sem raciocinar, ela iria saber. Impossível passar despercebido. 

Algum som infeliz vindo das ruas causou o que pareceu um ruído por toda sala, o que deu uma pontada na cabeça de Natalie e fez a mesma soltar um gemido de reclamação. Se perguntou o que diabos seria aquilo ao colocar uma mão na testa, pousando os dedos na franja do cabelo e se levantando devagar, sentindo uma dor imediata por isso. 

— Mas que droga... — Resmungou. 

A garota demora para abrir totalmente os olhos, o que deixa sua visão embaçada quando tenta enxergar o ambiente. Suas roupas estavam um trapo quando observou, o tecido amarrotado quase consegue assustá-la. "Que porra eu fiz aqui?" pensou. 

Permaneceu quieta e em silêncio, fazendo movimentos circulares com o pescoço para estalar o que estava preso. Definitivamente não era algo que se podia esperar, não exatamente tal situação. Natalie sabia quem era, se conhecia mais do que ninguém e não iria se arrepender do que quer que tenha feito por essa razão. Para alguns é difícil formar uma personalidade na qual se identifique, que você se sinta em casa e que te proteja do mundo lá fora. Para Natalie Clarck não passou da primeira lição mais simples quando aprendeu o que é viver dessa maneira. 
Um ponto de interrogação se acendeu na mente ao ver um pedaço de papel rasgado no chão, parecendo uma espécie de bilhete. Tyler havia escrito e um sorriso bobo apareceu na expressão dela. 

"Parabéns. Foi uma noite e tanto, gatinha. Vou fazer questão de falar tudo que você disse e o quanto estava fodida de linda. Ah, deixei uma cerveja na geladeira. Beijinho" — Tyler. 

Natalie se afunda de volta no único lençol que a cobria minutos atrás e apoia os dois braços em sua barriga, seus neurônios queriam explodir com o que restava do que ela tentava assimilar. Surpresa? Talvez possa ser, já que a travessa usa somente um dito para tudo: "eu costumo dizer que o início de tudo é sempre mais importante do que todo final". 

Suas pernas fazem força e todos os músculos obedecem, fazendo Natalie expulsar o desânimo que guardava. Olhou os mínimos detalhes e naquela turbulência toda seu olhar se perdeu. Caminhou até as cortinas e abriu sem piedade, permitindo que a luz invadisse e ferisse sua vista até despertar completamente. Tudo girava como um filme antigo em preto e branco. Natalie respirou o ar que podia e disse só uma frase. 

— Tudo bem, hora de sair daqui e acabar com o resto do que sobrou de ontem. 

E bem, o que teria sobrado de ontem? Eu costumo dizer que essas são perguntas que possuem as melhores respostas. 



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