DÚVIDAS

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Tem horas que eu paro e penso... 

Puxa, como a minha mãe, de vez em quando, é parecida com a mãe da Carmita!... Assusta um pouco. Será que a minha mãe não percebe o que está dizendo? Será que ela sabe o que está dizendo ou diz por dizer, quase sem perceber, quase sem querer?

O mais engraçado é que, ao contrário da mãe da Carmita, que é casada com um homem branco, a minha mãe é casada com o meu pai,que é negro. Ele pode ficar dizendo que é mulato e a minha mãe pode presenteá-lo com um "moreno" dos mais simpáticos, mas ele é negro. 

Será que minha mãe já notou isso? 

E, se notou, por que fica dizendo aquelas coisas, escondendo as fotos dos parentes do meu pai do álbum da família? 

"Preto de alma branca."

"E preto, mas é boa gente." 

Sempre que eu ouço minha mãe falando, imagino a mãe de Carmita. Nessas horas, eu quase sempre penso nas razões que levaram minha mãe a se casar com meu pai. Fico triste nessas horas, pois penso um monte de coisas ruins.

Penso que meu pai tinha dinheiro e minha mãe, não. Que o pai de minha mãe estava sem um tostão e nem pôde pagar meu pai para defendê-lo num julgamento de sei-lá-o-quê... 

Não, não é nada disso. Ela enfrentou muita gente para se casar com ele e muita coisa ruim depois que casou. Brigou até com alguns irmãos.Não, não foi por dinheiro, não. Isso é história de novela das seis... e das mais sem graça. 

Acho que ela diz aquelas coisas apenas por dizer, por ter ouvido muitas e muitas vezes, ditas por muitas e muitas pessoas. Pra ela deve ser até normal e duvido que imagine que ofenda a mim ou a meu pai, já que, pra ela, nós também não somos negros. 

"Moreninhos." 

Os "moreninhos" que ela ama.

Engraçado isso, não?

Pretinha, eu? (Júlio Emílio Braz) (1997)Onde histórias criam vida. Descubra agora