Capítulo 3

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Acordei em um quarto que não era o meu, paredes rústicas de pedra cinza me circunda e uma cama enorme fazia parte do quarto, onde abrigava meu corpo cansado e confuso, a mobília do resto do quarto era simples: armários e cadeiras de madeira e um pequeno sofá na direita do quarto, tudo simples mas, ao mesmo tempo, de detalhes impressionantes. Os armários continham entalhes, desenhos em formato espiralado com pequenas figuras de lua.
  Sentado em uma cadeira de madeira, Aidan me encarava com olheiras de sono.
  — Onde eu estou?
  — Trouxe você para a ilha que te falei. Bem-vinda ao meu lar. — ele falava cansado como se tivesse passado a noite em claro tomando conta de mim — Bom, e acho que agora é o seu também. Uma amiga minha vai vir aqui te explicar tudo aquilo que eu tentei, ela é meio mandona e talvez um pouco agressiva mas não precisa temer, ela não fará mal algum á você .
  Antes mesmo de ele terminar de falar uma loira alta chegou com tudo no quarto, provavelmente era a amiga de quem estava falando. Seu cabelo é de um loiro intenso que iam até a altura de seu quadril, seu corpo curvilíneo era o famoso "corpo padrão", mas, o que realmente chama atenção, eram os seus olhos. Suas íris eram verticais como de um gato com a coloração cinza. Sua roupa era  parecida com de Aidan, toda de couro preto. Ela exalava confiança.
  — Você é um idiota! Não conseguiu explicar nada pra menina e resolveu trazê-la para cá ainda humana? Você me surpreende cada vez mais, Aidan.
  Enquanto falava ela cruzou os braços, as palavras saim de sua boca com autoridade e o modo como ele concordava, quieto, indicava respeito e, talvez, até continha uma hierarquia presente.
  — Sirena essa é amiga que eu falei.
  — Meu nome é Brita. — me lançou um aceno de cabeça — O Aidan tem que ir conversar com os anciões e eu vou te explicar o que ele não conseguiu, então levante-se dessa cama, vamos dar uma volta.
  E, sem nenhuma cerimônia, saiu. Aidan se levantou e saiu logo atrás, como um verdadeiro soldado indo cumprir as ordens impostas. Bom, em um lugar totalmente desconhecido só me restava segui-la.
  O local onde eu estava parecia ser uma espécie de castelo medieval pois havia muita madeira e pedra rústica, muitos quartos e vidraçarias e pessoas vestidas de armaduras de couro preto da cabeças aos pés. Brita era impaciente e me conduzia pelo castelo sem me mostrar ou explicar nada.
  Viramos centenas de corredores até pararmos em frente a uma porta de madeira que ia do chão ao teto. Ela abriu a porta e deu passagem para eu entrar, lá dentro havia, literalmente, um pequeno pedaço do universo. Uma espécie de planetário ou algo do tipo, o universo flutuava pelo cômodo inteiro do chão ao teto, havia estrelas, planetas, buracos negros e o que o universo tinha à oferecer, tudo em pequena escala flutuando. Os planetas girando ao nosso redor era magnífico, luz, brilho, escuridão e vida, tudo dentro de um cômodo só, como se fosse simples resumir todo o universo em um lugar pequeno.
  Me sentia parte do universo, andando entre estrelas, vendo lugares que tinha certeza que humanos não viram.
  — Esse lugar é especial pois é a representação do universo. Cada estrela e planeta, cada pedacinho que está aqui, existe de verdade no espaço.
  — É a coisa mais linda que eu já vi. — Eu não menti quando disse isso, estava encantada. Um planeta que girava e órbitava estava ao meu lado, passei a mão por ele e ela o atravessava e tremeluzia, logo voltando a se materializar novamente.
  — Aidan me falou que ele não conseguiu cumprir a tarefa de te explicar o que nós somos, então nada melhor do que começar pelo início.
  Ela me conduziu até o meio da sala e logo reconheci nosso sistema solar. Ela se posicionou de frente para a Terra e, aumentando seu tamanho para uma melhor visibilidade, começou a explicar:
  No princípio da vida humana, deuses vagavam sobre a Terra, Beatha, o deus da vida em forma de guerreiro, com seu escudo e espada, cabelo loiro e seus olhos gentis espalhava a luz, o amor e a vida para os poucos humanos que a habitava; já Bás, a deusa da morte, trazia equilíbrio para o universo. Justa, sensual e guerreira, levava descanso para os que precisavam.
  "Ambos ajudavam os humanos, mas sempre há um pouco de escuridão na luz e um pouco de luz na escuridão, e, com isso, Bás e Beatha se apaixonaram avassaladoramente. Porém, menina, a vida adora estragar os contos de fadas. Se eles ficassem juntos desequilibraria o universo e colocaria toda a humanidade em perigo, e, em um ato de altruísmo, ambos chegaram a uma conclusão: sacrificariam seu amor em prol da humanidade."
  "Mas a distância não ajudava, mesmo que ambos estivessem em lados opostos da Terra, de alguma forma um acabava nos braços do outro e uma catástrofe acontecia. Então, para ficarem de uma vez um longe do outro, ambos se ligaram a uma maldição. Beatha fez um feitiço e se ligou ao Sol, fazendo com que só podesse ficar enquanto o sol estivesse tocando o solo da Terra e não mais em forma de guerreiro, e sim em espectro. E Bás se ligou a Lua, somente poderia vagar pela Terra onde a escuridão estivesse e, também, em forma de espectro. Então, assim, ambos salvaram o universo e a humanidade, mas no processo perderam seus corações." 
  Tinha uma melancolia na história triste e cruel, mas Brita não parecia se incomodar, algo em seus olhos felinos me passava a sensação de que ela achava que eles fizeram o que era certo, como soldados em campo de batalha, se sacrificando para salvar seus amigos, uma forma um pouco fria e pragmática de se encarar a história de duas pessoas que se amavam e não poderiam nunca ficar juntas por ser o que eram.
  — Menina, não vai chorar né? Eles fizeram o que era certo. Depois disso, eles se limitaram, cada vez mais, a vim para a Terra, ambos evitando um ao outro, mas, acima de tudo, seus trabalhos deveriam ser cumpridos. Então para ajudar a manter o equilíbrio da humanidade, os clãs foram criados. O clã dos crescentes, representando Bás, que deu uma gota de seu poder a um grupo de jovens selecionados, e Beatha fez o mesmo, fundando o clã da alvorada, para que esses clãs trabalhassem sem a interrupção de humanos.
  "Antilia é uma ilha longe da vida humana e também invisível para qualquer humano. A ilha é dividida ao meio: metade pertence ao clã dos crescentes e a outra metade pertence ao clã da alvorada, não existe muralha, ou algo do tipo, as separando, somente a pura diplomacia mantém a ordem. A única área totalmente neutra fica a oeste da ilha, marcada pela árvore da sabedoria."
  Saímos da sala e entramos mais uma vez nos emaranhados de corredores, chegando em uma espécie de salão principal onde muitos papéis e pessoas trabalhavam, todos muitos sérios e com roupas diferentes, eram mais elegantes do que as de Aidan e Brita. Mulheres vestiam longos vestidos em cores que variavam de roxo, cinza e preto e os homens trajavam uma espécie da bata chique, preta e com um brasão que reconheci do uniforme de Aidan.
  — Nosso clã precisou ser subdividido em dois: esses aqui são os Dark Hunters, eles trabalham com a parte burocrática. São responsáveis por achar a próxima pessoa, o dia, a hora e o melhor local para a morte acontecer; e, também, temos os Soul Hunters que ficam responsáveis em fazer essa morte acontecer. Você precisa ter em mente que nós nunca, em hipótese alguma, matamos humanos diretamente. Nós o conduzimos, para que a morte pareça acidente ou causa natural, mas nunca assassinamos alguém.
  Depois de ela ter explicando quem era os Dark Hunters me puxou para fora de sala novamente. Juro que adoraria saber como ela memoriza os vários corredores, o lugar  parecia ser tirado de um livro sobre literatura medieval.
  — Ok... Só me explica uma coisinha... — disse relutante — se a morte é planejada e só morre quem vocês querem, porque tem tantos assassinos, psicopatas e vários outros doidos por aí?
  — Menina, para deixar bem claro: não morre quem a gente quer, os Dark Hunters decifram pistas que Bás deixa nas estrelas do universo para nós e é sempre ela que decide quem fica e quem vai. Entenda, nós só trabalhamos para ela. A outra parte da explicação fica para depois, vamos ficar com o básico por hoje.
  Caminhamos até a entrada do castelo. Por dentro ele tinha uma aparência um pouco sombria, muitas estátuas de pessoas revestidas de preto, mas, assim que as portas se abriram para o exterior, cadeias de montanhas salpicadas de neve formavam a mais encantadora paisagem ao lado do castelo, uma floresta e, ao seu redor, pequenas casas formando vilas.
  Conforme ia me afastando do castelo mais imponente e assustador ele ficava, com gárgulas no topo e vitrais, era uma construção grandiosa, mas quando a paisagem ao fundo se misturava ao castelo fiacava deslumbrante.
  Andamos mais um pouco e chegamos em um acampamento militar. Muitos homens altos, fortes — outros mais magros — e todos tinham um mesmo brilho no olhar.
  — Esse é o acampamento dos Soul Hunters, eles são treinados para manipular mentes humanas. Com os dados que recebem dos Dark Hunters, eles manipulam para a pessoa estar no local e na hora exata que vai acontecer a morte, podendo ser um acidente de carro, intoxicação alimentar e várias outras coisas.
  Era estranho pensar que sua vida não estava no seu controle, isso, de alguma forma fez abrir meus olhos. Você pode passar a vida todo planejando como vai ser a sua vida mas você não está no controle dela, tem todo um mundo à parte nos observando e direcionado como vai ser nosso fim.
  — E como vocês manipulam?
  — Com algo que está no mundo desde quando ele surgiu: a magia.
  Aos poucos as peças sobre aquele novo mundo começava fazer sentido, porém nossa conversa foi interrompida por Aidan e um rapaz que era diferente de todos ali.
  Ele não tinha aquele brilho no olhar que todos tinham ali. Seus intensos olhos verdes possuiam uma alegria diferente; seu cabelo, de um branco lindo, se assemelhava a neve das montanhas ao fundo; e suas covinhas que apareciam juntas com seu sorriso simpático fazia com que eu quisesse sorrir de volta, um sorriso que atraia a atenção pro seu rosto simétrico encantador.
  — O que ele está fazendo aqui? —  Parece que o efeito encantador dele não conquistou Brita.
  — Se acalma, Brita. — começou Aidan — O caso da Sirena virou missão diplomática, como ninguém antes dela conseguiu trancar seus poderes assim os anciãos mandaram uma carta e Kael voltará para tomar o lugar de tutor, e o clã da alvorada também quer participar. Esse é o Josh — Aidan apontou para Josh, o rapaz mais uma vez deu um sorriso cativante e foi inevitável retribuir — Ele vai acompanhar o treinamento dela e relatará tudo para os anciões da alvorada.
  Brita estava achando toda a situação hilária porque não havia parado de rir desde que ele começou a explicar.
  — Vai ser magnífico ver Kael e você tendo que dividir o mesmo espaço.
  — Eu sei ser profissional, diferente dele. — A aparência serena e divertida deixou o rosto de Josh, o que Brita falou o deixou irritado.
  — Tá legal, agora vamos focar na Sirena. Eu expliquei um pouco sobre o nosso clã mas ainda está faltando algumas coisas, e falta explicar sobre o clã do solstício.
  — Eu posso explicar, vai ser mais fácil alguém que o pertence fazer isso — Josh parecia satisfeito por poder ajudar.
  — Agora vamos a arena, precisamos começar o treinamento — disse Aidan e nos encaminhou para dentro do castelo novamente.
  Treinar soava como se eu fosse um soldado e isso me assustava. Depois de passar, novamente, por uma infinidade de corredores chegamos em uma sala enorme.  No chão havia um retângulo — desenho que simbolizava um ringue — na parede esquerda dois expositores enormes mostravam as mais variadas armas.
  Brita foi até um canto com Josh e ambos sentaram no peitoral da enorme janela que iluminava boa parte do aposento. Josh me observava o tempo todo, Brita parecia estar indiferente, limpando suas unhas com uma de suas adagas e Aidan já se posicionava no ringue para começar o treino.
  Bom, acho que não me resta escolha. O medo me consome, é claro, é difícil conseguir assimilar isso tudo de uma vez mas, agora, não me resta escolha. Andei até o ringue com o coração acelerado, parando em frente ao Aidan.
  — Pronta?

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