2. Meses olhando

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Fevereiro... Março... Abril... Maio... Passaram-se os meses e a escola já tinha conhecido um pouco da personalidade de Marlo Calisto Nixson.

Numa sexta-feira 13, ainda em fevereiro, ele reprimiu um jovem que zombava em alto e bom som de sua homenagem à deusa Nut. Ocorreu que Marlo usava um grande e pomposo sobretudo estrelado, com estrelas de brim pregadas uma a uma. Quando o colega de sala o zombou por chama-lo de Mickey Mouse da Transilvânia, ele pegou a cabeça do fanfarrão e a enfiou no balde de lixo.

Houve também algumas ocasiões em que pessoas de outras salas também puderam ter demonstrações daquele temperamento subjugador. Na hora do intervalo, um dos tontos repetentes jogou em suas costas um pedaço de cachorro quente. Quando Marlo olhou para trás, viu quatro bobos rindo e levantou-se erguendo todo o peso de sua raiva. Encarou firmemente os otários risonhos e, como num piscar de olhos, estava diante deles sentado à mesa.

— Quem foi que jogou? – perguntou Marlo com seus olhos ameaçadores.

— Foi ele, não fui eu – diziam os quatro rapazes bobos, acusando uns aos outros.

Estavam várias pessoas olhando a cena quando Marlo, num movimento muito rápido, apertou com força um ponto sensível no ombro direito do rapaz loiro e o fez desmaiar em segundos sobre sua tigela de cereal com leite.

— Então vou ter que abater todos vocês!

Enquanto Marlo aplicava sua punição aos otários, o franzino impressionado Dirk observava desde o outro lado do refeitório. O que seria aquela criatura tão imponente e irritadiça? O que o fazia ser assim? Depois de amassar os narizes de dois porcos contra a mesa e sufocar mais outro com uma só mão, Lord Dementious encarou Dirk com olhos de confiança. Parecia que fazia aquilo com mais força estando em público, justamente para impressionar o jovem.

Outros três rapazes vieram parar a briga. Aquele que segurou Marlo e o fez soltar o pescoço do aluno Érico Sans teve um pequeno receio do olhar de advertência que recebeu e timidamente se afastou um passo.

Dirk continuou observando-o curiosamente durante os intervalos. Existia uma estranha conexão que tornava o olhar recíproco. Naquele dia em questão, Marlo parecia querer impressionar, mas noutros, parecia querer transmitir confiança.

Era verdade que vários temiam Marlo Calisto. Ele foi chamado para a sala da diretora duas vezes em março e tinha poucos amigos. Podia-se dizer que ele tinha seus melhores momentos de interação social nas reuniões do clube do livro. Contentava-se em relatar suas excelentes experiências literárias aos colegas e isso o fazia um pouco feliz. Mas aqueles não eram exatamente seus amigos, eram apenas colegas. Não se sentavam juntos na mesa do refeitório e, quando se sentavam, Marlo não conversava muito. Eles não faziam planos para saírem juntos, não tiravam fotos... Eram jovens mortos e xoxos, assim como os jogadores de xadrez.

Por quatro meses Dirk e Marlo trocaram olhares antes de ter um tipo mais próximo de contato. Às vezes eram olhares curiosos, outros eram de bom dia, outros eram convidativos e destes Dirk sempre se esquivava. Seus amigos o incentivavam a falar com a fera, mas ele tinha vergonha. Certo dia, Tatiana inclusive o pegou pelo braço e o arrastou até o canto em que Marlo se recostava para ler, não sem deixar de ter medo de sua aparência noturna. Mas Dirk só o ficou olhando e sendo olhado de volta. Então desculpou-se pela inconveniência da amiga e foi embora enquanto Marlo o olhava com desinteresse momentâneo.

Todos os dias eles só se olhavam. Não falavam. Dirk podia perceber, enquanto o olhava curioso, que Marlo dava para ele um olhar mais manso do que para as outras pessoas. Era uma mudança sutil; talvez a cor negra de suas íris ficasse mais líquida, talvez o portal para sua alma ficasse mais bonito e mais aberto. Somente em maio Dirk percebeu uma mudança estranha no humor do rapaz. Ele estava muito bravo, como ficava de vez em quando. Olhar Dirk por todo esse tempo foi suficiente para notar algumas coisas sobre ele; eram coisas que despejavam ódio em seus pulmões. Sentia fúria, sentia desejo de justiça. Foi só então que as portas para algum contato começaram a se abrir.

O AcorrentadoWhere stories live. Discover now