3. Surra

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Dirk já estava farto de passar por situações desconfortáveis na escola. O fracote estava novamente com marcas vermelhas nos braços e no rosto. Aquilo lhe era uma situação frequente nos dias de Ensino Médio. Em alguns meses, as marcas deixavam de aparecer, mas a certeza de que reapareceriam era constante.

Ele tentava esconder usando maquiagem e roupas longas sempre. Seus pais não viam suas marcas com facilidade, pois sempre o encontravam vestido, mas as manchas do rosto eram sempre visíveis. Conversavam sobre este assunto de vez em quando, ao que ele respondia com enjoo e timidez; e nada adiantava, era tudo apenas mais uma conversa.

Certo dia de maio, estava Dirk von Einundfünfzig voltando à sua casa depois de um dia grotesco de aula de idealismo político e duas matérias que ele odiava, quando percebeu que estava sendo seguido novamente. Ele até mesmo tinha desenvolvido um tique que o fazia olhar para trás. Já estava ficando estranhamente acostumado com aquilo, mas começou a correr de imediato.

Seu coração acelerava enquanto corria sem prestar atenção em sua velocidade. Seu corpo meio frágil, calejado e condicionado a fugir das hienas que vinham se aproveitar de sua carniça, começou a falhar e suar depois de trezentos e trinta metros de fuga. Já estava demorando demais para que os trogloditas portadores de claves o alcançassem; deviam estar já muito perto.

Repentinamente, seu corpo foi ao chão. Era uma mão de raiva que o atirava ao pó do solo, onde era seu lugar. Onde ele não queria estar, mas sabia que era o lugar onde ele sempre seria atirado até o fim daquele ano. Dirk fechou os olhos para conseguir fazer um milagroso escudo mágico contra a dor e recebeu as primeiras pancadas resistindo. Apanhando com a força da fé.

Já era o segundo dia de surra na semana e ainda era quarta-feira. Mais uma cena do ridículo e da brutalidade do homem se repetia e seu efeito era reprimir uma alma. Não é difícil sentir este mesmo gozo orgásmico que é surrar alguém por prazer, o mesmo gozo que aquelas hienas sentiam naqueles momentos prazerosos. Outros podem se sentir um absoluto lixo ao fazer isso com alguém, subjugar a pessoa mais fraca por diversão ou mesmo por causa da hora da raiva. Porém há aqueles que são acostumados a viver no lixo e se deleitam dele.

Mas um ser veio em favor de Dirk. Ainda de olhos fechados, ele apenas ouviu as reclamações e gemidos de seus agressores enquanto seus dias de dor e humilhação eram vingados. Havia alguém ali, embaixo daquele mesmo sol, sobre aquele mesmo chão de pedra, que o estava ajudando e matando aquelas hienas por ele. Depois que Dirk finalmente terminou de se ocupar por sentir a dor pós surra penetrar sua carne, abriu os olhos e viu quem era seu leão; ou melhor, seu lobo.

O animal de pelagem ondulada e escura era ninguém mais, ninguém menos, que Marlo Calisto Dixson. Sim, ele também o seguiu, correndo como uma fera cheia de ódio por outras feras menores e mais fracas que ele. E então os massacrou como animais que eram, humanos animais.

Marlo, como numa cena épica, entrou na frente do sol e estendeu a mão para Dirk. Estando os dois em pé, se encararam novamente, como sempre faziam. Dirk engoliu seco; não conseguia acreditar que ele realmente estava ali.

— Obrigado por me salvar.

Por mais um momento, se encararam e sentiram novamente aquela conexão estranha que tinham. Não era gosto nem desgosto, era simplesmente uma linha.

— Disponha. Agora, será que posso saber o nome da pessoa que me olha tanto?

— É Dirk. E o seu?

— Me chamo Marlo Calisto.

Passaram-se mais alguns segundos de timidez em silêncio. Aquela era a primeira vez em que conversavam e Dirk era bastante tímido na primeira conversa.

— Bom... Obrigado, Marlo. Eu sempre apanho.

— Sim, eu vi. Mas não se preocupe. Com um pouco de malícia e mais força, você aprende a se defender desses ataques bestas de homofobia.

— Como?! Mas eu não... – Dirk ficou confuso por um momento. – Mas eu não sou...

— Mas é claro que é! Eu vejo isso no seu corpo, nos seus olhos... e posso ver na sua alma o que você é. Não adianta se esconder de papai e mamãe; aposto que eles já sabem.

— Mas, cara,... Eu não sei se sou gay.

Naquele momento, cansado de esperar, Marlo o agarrou pela cintura e lhe deu um caloroso e guloso beijo, ali, no meio da calçada larga. Dirk observou com olhos arregalados, sentindo uma mistura de espanto e prazer, aquela cena inesperada. Viu de perto a pele macia do homem que o segurava tão firmemente e pela primeira vez viu naquele rosto a calma. Marlo estava em paz como nunca parecia estar em seus dias de carranca fechada, se é que era possível que aquele homem tivesse uma carranca.

O vento soprou pela frente aquele belo entalhe cercado por cabelos ondulados e pretos e o expôs mais ao sol. E Dirk o empurrou irritado e confuso. Não sabia o que pensar.

— Pare com isso! Eu não te permiti a intimidade.

O momento pacífico seinterrompeu. Então o jovem franzino, fracote, covarde, foi embora. Pegou suasseis sacolas de vergonha e apressou o passo para não ver mais aquele rosto.

O AcorrentadoWhere stories live. Discover now