Capítulo 35

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May Pov
Uma ano e meio antes.
Papai quis que eu me mudasse para casa dele, com o intuito de povoar sua casa
de crianças, mas neguei. A casa de Olympic, o quintal, os móveis, os quartos, a rua, o rio, tudo compunha lembranças de uma época feliz em minha vida. Ano em que minha família era completa.
Das dez vagas para diplomata, Wiliam foi o 2o lugar. Compôs no inicio do ano a primeira turma do corpo diplomático em missão no Afeganistão. Não me permiti abater com sua falta, ainda que sofresse. Eu tinha me preparado mentalmente para isso. O país mantinha-se dominado por tropas americanas, porém grupos rebeldes os atacavam. Não pude ir visitá-lo por esse motivo.Tentava suprir sua falta ocupando meu tempo na empresa de Seattle e na Universidade. As crianças começaram a estudar aos três anos e faziam natação, balé e esportes. Nos dias de suas aulas em horário integral, eu ia cedo para a empresa em Seattle. Anny e Poncho os buscavam e deixavam na escolinha.
Quinzenalmente Wiliam vinha em casa. Também conversávamos diariamente por skype. Os três primeiros meses foram os piores. Eu sentia muito sua falta. Mas se para mim era ruim, para ele era pior. Foi ele a sair da área de conforto, da normalidade, do abraço dos filhos, do seio familiar.
Por vezes senti pesar por ele comparado ao que eu sentia quando ele vivia na solidão do quarto da universidade, então o pesar era substituído pela resignação. Ele precisava disso. Precisava se encontrar. E como sua esposa e base, eu deveria lhe apoiar.
Na teoria era fácil.
Mandamos instalar câmeras por toda a casa e, enquanto estivesse disponível e acordado, Wiliam poderia nos espiar, inclusive ouvir-nos. Nos fins de semana, quando sentia saudade de nós, nos observava brincar no quintal, piscina. Essa era minha estratégia de mantê-lo em casa. Talvez fosse tortura, mas era um modo de ressaltar o quanto éramos felizes em casa, no nosso lar. Nada poderia substituir a felicidade da nossa família. Eu era paciente e tinha certeza que um dia, mais cedo ou mais tarde, ele iria reconhecer.

Quase todo o salário recebido por estar em missão internacional era depositado em minha conta. Eu investia em ações. Um ano e meio atrás, resgatei o dinheiro investido quando estávamos noivos. Wiliam não se interessou no destino que dei. Eu quis contar, no dia que pedi que ele contratasse um professor de música, mas desisti. Não adiantaria. Nada mudaria. O que ele tinha que passar na vida, eu não poderia impedir. O dinheiro foi investido num plano dele, projeto dele. Um projeto que meu pai o incitou a criar e facilitou para que fosse construído. O resgate do nosso dinheiro pagou meu pai. Tinha rendido seis vezes ao longo de dois anos. Papai queria dispensar o dinheiro e nos presentear, mas para não ofender a dignidade de Wiliam, neguei.
Contratei um novo reitor para a Universidade, que ficou responsável por dar andamento aos projetos sociais que Wiliam iniciou. Não era experiente, mas por ser amigo de Wiliam , recebia orientação de Wiliam via skype. Trabalhar muito e dormir pouco era o lema de Wiliam. Sempre me perguntei como ele dava conta de planejar estratégias de reestruturação do país, apoiar ao atual embaixador e ainda dar suporte à universidade.
Neste fim de semana, comemorávamos a festa de três anos dos gêmeos. A área externa da casa teve um lado decorada de Chicago Bulls, com futebol de sabão, e no outro lado a decoração da LOL, com um palco onde apresentaria uma banda infantil.
‒Vai ter que usar a camisa oficial dos Bulls, sim! ‒ Mostrei a camisa teimosa. Wiliam revirou os olhos. Carl gostava dos Bulls, como eu e meus irmãos.
‒Você o manipulou a gostar desse time ruim ‒acusou desgostoso. ‒Esta camisa é feia. Ela tem chifres! ‒ acentuou horrorizado. Eu ri. ‒Isso é falta de lealdade ao pai. Ele tinha que gostar do New York ‒reclamou insatisfeito.
Eu ergui a camisa e enfiei em sua cabeça por cima da outra que ele estava. ‒Se você analisar, passamos mais tempo com ele e temos mais influência ‒gracejei carinhosa. Ele repentinamente desviou o olhar, magoado. Eu quase me arrependi.
Seus braços me envolveram e fui encostada a uma pilastra no jardim.

‒Eu sinto tanto a falta de vocês ‒ declarou desolado. Carlie passou correndo por nós e ganhou nossa atenção. Anny corria atrás dela com o baby liss na mão, fazendo, ou tentando fazer cachinhos. Sorrimos, depois segurei o rosto de Wiliam com as mãos.
‒Você está realizado? Gosta do que faz? ‒ questionei com beijinhos no seu queixo.
‒Eu gosto de contribuir com algo no mundo ‒ pareceu justificar-se. Carlie passou correndo de Anny de novo. Wiliam a surpreendeu e ergueu no colo.
‒Quem é você? ‒questionou apontando a roupinha preta e vermelha que ela usava.
‒A LOL.
‒Você é mais bonita que a LOL, é mais cheirosa, é mais fofa ‒ elogiou e distribuiu cheiros em seu pescoço, fazendo cócegas. Ela abraçou sua cabeça apaixonada pelo pai. Angelique chegou acompanhada de Sebastian.
‒É toda sua, Angelique‒ Anny avisou fatalista quando Carlie pulou para o colo de Angelique.
Depois de cumprimentarmos os dois, entraram mimando Carlie. Eu segurei a mão de Wiliam e descemos o caminho do rio.
‒São tantas crianças que morrem por inanição. ‒ Estava lamentando Wiliam. ‒Eu sempre me pego pensando nos nossos gêmeos, que tem tudo aqui: conforto, saúde, paz...
Eu o ouvi em silêncio. Não sabia como lidar com essa sua nova fase. Meu lado egoísta o aconselharia a virar as costas e deixar de se importar tanto. Eu diria mais, diria que esquecesse o sofrimento dos outros e voltasse para casa. Sufoquei o egoísmo. Restava ouvi-lo.
‒... Com a ocupação do exército, ficamos de mãos atadas. As pessoas não confiam nos americanos, ainda que ONGs e voluntários em missão de paz.
‒A confiança se ganha gradativamente ‒ aconselhei, parei de andar e o abracei na cintura, tentando passar conforto. Ele ergueu meu queixo e beijou meus lábios.
‒Meu mundo fica tão vazio sem você ‒ declarou triste. ‒Como sinto falta de vocês.
Acariciei sua nuca e o beijei tentando ser compreensiva e madura. Queria ter o poder de tirar sua dor, mas só ele poderia. Não havia dúvidas do seu amor por mim, por nós. A certeza do seu amor era o que me dava paciência e forças para ajudá-lo a prosseguir.

Amor VS PoderWhere stories live. Discover now