CAPÍTULO UM

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Sabe a sensação de não saber que rumo dar à sua vida depois de terminar um bom livro? Cara, me sinto exatamente assim neste momento. Deveria estar lendo no meu expediente? Obviamente não, mas, quando você trabalha em uma livraria, é impossível resistir à tentação de folhear as páginas. Torna-se ainda mais impossível se tiver uma trama fodidamente bem elaborada que te prende do início ao fim. Eu precisava dar só uma espiadinha e matar minha curiosidade sobre o que aconteceria no capítulo seguinte ao que parei, mas acabei lendo cem folhas, ou o restante do livro, como preferirem. Quem nunca, não é mesmo?

— Você está bem, moço? — alguém pergunta.

Ergo o olhar para uma cliente que navega por entre as prateleiras dos romances de época. Demoro a notar que estive divagando nos meus pensamentos, com uma postura completamente derrotada e semblante preocupado.

­— Je vais bien — respondo na minha língua nativa, esquecendo-me que não estou na França, e a moça enruga as sobrancelhas, sem entender o que um gringo está fazendo atrás de um balcão de uma livraria. Peço desculpas pelo meu deslize e respondo em português: — Eu estou bem. É só... — digo, levantando o livro que tenho em mãos. — O final dessa história me deixou perturbado.

A cliente se aproxima, carregando quatro exemplares de uma famosa autora de livros de época.

— Você fala bem português... — elogia, parando um instante e semicerrando os olhos em minha direção. — Sébastien Leroy — diz meu nome, pronunciando-o errado. Estou acostumado, nem contesto ou corrijo mais. Abaixo o olhar para meu crachá e abro um pequeno sorriso. Gosto de trabalhar aqui; não só porque é uma livraria e eu amo livros, mas porque pertence à minha família. — Também fico assim quando uma história me surpreende muito ­— comenta, por fim, colocando os títulos que pretende levar sobre o balcão.

Engatamos em uma conversa legal sobre livros, gêneros e autores favoritos, enquanto processo seu pedido e faço a cobrança no cartão de crédito. Mesmo depois que paga pelo que comprou, continuamos conversando animadamente; ela me contando sobre o último livro que leu, e eu contando energicamente sobre o que finalizei menos de vinte minutos atrás. Quando a moça percebe que vai perder seu ônibus se continuarmos tagarelando, se despede, promete voltar para comprar mais títulos e vai embora toda feliz com sua sacola cheia de livros.

Ainda estou processando o final da história e preciso ocupar minha cabeça com algo, então simplesmente vou andando por entre as prateleiras e seções, arrumando livros ocasionalmente retirados do lugar. Encontro um título interessante e, juro, vou dar só uma olhadinha. Miolo bonito. Capa bonita. Sinopse interessante. Leio a primeira linha do prólogo e me assusto antes de chegar ao final quando meu padrasto se põe ao meu lado e apoia a mão no meu ombro.

— Sébastien... — suspira. Guardo o exemplar rapidamente, como um bêbado pego no flagra, e me viro para ele. — Filho, quantas vezes já te disse para não se distrair?

— Não estava distraído — alego, abrindo um sorriso vago. Mentira! Matias ergue uma sobrancelha e abana a cabeça em negativo.

— Nem me viu chegar. — Aponta o dedo para o caixa desguarnecido. — E deixou o balcão sozinho. Quantas vezes preciso te dizer...

Désolé, Matias! — desculpo-me. — Não vai voltar a acontecer — prometo, embora eu dificilmente consiga cumprir.

Deus, colocar um aficionado por literatura para trabalhar em uma livraria é como empregar um alcoólico em um bar. Não sei onde meu padrasto estava com a cabeça quando resolveu me colocar para gerenciar o negócio. Não fico no balcão sempre; faço a folga das duas funcionárias que temos e cubro turnos quando necessário, como hoje, que Paula está de atestado. Ainda assim, vivo escapando do escritório para vir aqui, passear entre as prateleiras, surrupiar um livro, lê-lo em um dia e devolver ao estoque.

[DEGUSTAÇÃO] BELLA MEGERA (ENCANTADOS - LIVRO 1)जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें