CAPÍTULO TRÊS

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Ignoro o novo viral da internet assim que Matias entra na cozinha. O vídeo tem cerca de dois minutos, mas é tão infantil, machista e sexista que é impossível assistir até o final e não sentir um embrulho no estômago. Meu padrasto ainda está de pijamas — calça flanela e camisa regata —, descalço e com barba por fazer.

Bonjour — cumprimento-o.

Ele me dá um sorriso acanhado e se aproxima da cafeteira, servindo-se na sua xícara favorita que ganhou de presente da minha mãe em um dos seus aniversários de casamento.

— Bom dia — responde, arrastando a cadeira e se sentando de frente para mim. Envolve as duas mãos na caneca e olha para baixo por alguns instantes.

Queria ter algo a dizer, mas não tenho. Temos uma semana para ou quitarmos a dívida, ou arrumarmos um lugar para morarmos. Pelo seu semblante, sei que é difícil para ele deixarmos esse lar. Sei que não liga tanto para o dinheiro que vai perder caso o imóvel seja leiloado, porque essa casa é mais que apenas a questão monetária. Tem o suor da conquista, as lembranças, de boas a ruins, que esse local carrega; lembranças da minha mãe, da vida a dois deles.

— Recebeu a resposta do banco? — pergunto, tomando um gole pequeno do meu café.

— Não aprovaram meu crédito — responde, meio triste. — Teremos de aceitar que perdemos essa casa, Sébastien, e começar a procurar um lugar para vivermos. Com urgência.

Suspiro e observo o líquido preto na minha caneca. Já tem três dias que tentei uma negociação com Bella Martins. Se arrependimento matasse, com toda certeza eu estaria morto e em decomposição.

— Sinto muito não ter podido te ajudar. Sei que prometi...

Matias interrompe minha sentença, tocando minha mão.

— Não se preocupe, filho — diz, de forma suave. — Foi muito nobre da sua parte procurar pela senhorita Martins, e é isso o que importa.

Dou-lhe um sorriso fraco, ainda me sentindo mal por não ter sido útil.

— Vamos recomeçar, Matias — digo. — Vamos reerguer a Livraria Leroy, estabilizar nossas finanças e recuperar nossa casa. Talvez tenhamos que passar por perrengues de novo, mas... faremos isso juntos.

Ele aperta a minha mão e vejo uma única lágrima em seus olhos.

— Você é um bom homem, Bastien. Saiba que te considero meu filho do coração. Sua mãe não poderia ter te educado melhor. E, sim, vamos nos reerguer juntos. Construímos isso tudo com muito suor e trabalho, podemos reconstruir.

Sorrio para ele, decidido de que essa crise não vai nos abalar. Neste instante, o telefone toca. Quando atendo, não preciso que me diga seu nome para saber quem é, pois reconheço sua voz, mas ela faz mesmo assim:

Sébastien, sou eu, Beatrice.

— Oi, Trice — digo, virando-me para meu padrasto e me recostando à beira do balcão. Brinco com o fio do telefone, enquanto a ouço perguntar:

Está ocupado agora pela manhã?

Estranho seu questionamento, mas respondo:

— Vou para a livraria. Tivemos de demitir as funcionárias por causa da crise, então estou tomando conta de tudo. Eu e Matias, ele tem se revezado comigo. Por quê?

Há um instante de hesitação na linha antes de proferir:

A senhorita Martins quer falar com você.

Pisco duas vezes seguidas, tentando entender se o que acabei de ouvir é verdade mesmo. O que diabos ela quer falar comigo?

— Falar comigo? — pergunto, para ter certeza de que entendi certo a sua informação. — O que ela quer falar comigo? Não temos nada a tratar, Beatrice. Três dias atrás, quando estive aí, sua chefe foi uma babaca comigo. O que ela quer agora, me desmerecer mais do que já fez?

[DEGUSTAÇÃO] BELLA MEGERA (ENCANTADOS - LIVRO 1)Where stories live. Discover now