#20 - Mais um aniversário

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      Em meu aniversário de 26 anos eu estava em Londres. Caminhava lentamente por entre as árvores de Kensington Gardens de braços dados com Sophie. Os gêmeos de minha irmã corriam à nossa frente com seus passinhos miúdos de criança e Mrs. Flynch nos acompanhava segurando a pequena Alice, agora com sete meses. Mesmo que o tempo não estivesse dos melhores, Sophie fez questão de comemorar o meu aniversário com um piquenique em nosso lugar favorito no mundo. Ali, nossa mãe costumava nos levar quando éramos crianças, onde podíamos brincar com os esquilos, em uma época onde mais nada importava!
        Eu segurava uma cesta que continha, além das toalhas para estendermos na grama, comida e bebida suficientes para matar a fome de umas 10 pessoas. Mrs. Daltry, governanta de Sophie, enchera a nossa cesta de comida como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. Respirei o ar puro e tranquilo do parque. Fazia anos que não vinha àquele lugar. Os gêmeos se agitaram ao nos aproximarmos do lago, tentando perseguir um cisne que nadava tranquilamente na margem.
        - Aqui está bom! - falou Sophie em tom decisivo.
        O parque estava um tanto deserto, talvez pelo frio do outono, porém o sol se fazia presente e movia-se lentamente para se esconder atrás do palácio. Estendemos as toalhas na grama e depositei a cesta em cima para impedir que o vento bagunçasse tudo. Nos sentamos e Sophie segurou Alice em seus braços. Mrs. Flynch, que havia me acompanhado nesta temporada em Londres, sentou-se no lado oposto da toalha e começou a retirar uma bandeja com fatias de uma torta de amora e algumas frutas e colocá-la sobre a toalha. Arthur e George, os gêmeos de Sophie, agora corriam pela grama gelada, os pés descalços, apenas com meias de lã. Ao se dar conta de que eles haviam tirado os sapatos, Mrs. Flynch logo se levantou e se pôs à correr atrás deles, com toda a velocidade que uma velha senhora consegue correr.
        - Não podem ficar descalços! Vão apanhar um resfriado! - ela falava de maneira atrapalhada, enquanto os perseguia. Os meninos se divertiam, enquanto fugiam da governanta de Clarence Hill.
       Sophie não pareceu se incomodar com o fato dos filhos estarem sem o sapato correndo pela grama úmida. Ela sorriu e pude observar como havia crescido. Seus traços continuavam jovens, porém, tinha um ar mais maduro e experiente. Seus olhos azuis brilhavam ao olhar para os filhos e seu sorriso ficava ainda mais bonito quando olhava para o pequeno bebê em seus braços. Senti uma emoção forte ao observá-la. Estava muito feliz de ver a minha irmã mais querida vivendo como merecia.
        - Fico feliz que esteja conosco para a temporada de inverno, Joana! - disse com um sorriso gentil. - As crianças gostam muito de você, embora não vejam a tia quase nunca!
        Percebi a censura em sua voz. Era verdade! Eu não acompanhara o crescimento de meus sobrinhos, estivera presente apenas em algumas datas muito especiais. No nascimento e batizado dos gêmeos, na morte de nosso pai há dois anos atrás e quando Sophie foi me visitar com Mr. Evans no natal passado enquanto estava esperando Alice. Era bem arriscado viajar com uma barriga enorme, mas Sophie não se importou e acabou dando à luz em seu antigo quarto em Clarence Hill. Então, me convidou para passar uma temporada consigo em Londres no verão. Porém, imprevistos aconteceram, o nosso primo Mr. Elliot, herdeiro do meu pai resolveu visitar Clarence Hill bem na data que eu deveria viajar. Portanto, tive que aguardá-lo, afinal, era a casa dele. Devo confessar de que nos damos bem desde o primeiro momento. Meu primo chegou em sua nova propriedade acompanhado de sua esposa e do filho mais velho. Passamos bons momentos jogando conversa fora e lamentando termos nos conhecido tão tarde. Poderíamos ter sido bons amigos! Mrs. Elliot era uma mulher espirituosa e autêntica, sem os pudores das outras damas da sociedade. Apesar da idade avançada, assim como o marido, nutria um espírito jovem e esperto. Foi bom ver Clarence Hill cheia de vida novamente. Aquele encontro me lembrou de tempos antigos, onde as três Miss. Saunders brincavam na sala de estar enquanto nossa mãe bordava ou quando cavalgávamos todos juntos.
        Em agosto eles se foram. Residiam no sul da Inglaterra, onde afirmavam que era mais ensolarado e menos frio. Então, pude, finalmente, aceitar o convite de Sophie para vir à Londres na semana do meu aniversário e ficar até o fim do inverno. Na verdade, ela desejava que eu me ficasse por mais tempo, porém, deveres me esperavam em casa. Sim, eu administrava boa parte dos negócios da propriedade do meu primo como forma de pagamento pela sua gentileza em me deixar ficar. Ele nada me pediu, porém, me ofereci para ajudar. Ocupava o meu tempo e me fazia sentir menos sozinha.
        Sophie casou-se assim que a primeira filha de Elizabeth veio ao mundo. Após a cerimônia, se mudou com Mr. Evans para Londres, onde este havia herdado a propriedade de um tio falecido. Era uma casa grande, moderna, situada em Chelsea em uma rua cheia de casas semelhantes. Eu não estava acostumada à uma vizinhança tão próxima em Clarence Hill.
        - Elizabeth está grávida novamente! - disse Sophie como em um sussurro. Percei que não queria que Mrs. Flynch ouvisse, apesar de que a senhora ainda perseguia os garotos. - Ela não quer que ninguém saiba até a criança nascer. Tem muito medo de não conseguir novamente.
        Acenei, sentindo pena de Elizabeth. Por mais que eu não a estimasse tanto como estimava a minha irmã mais nova, não poderia negar que sua história era realmente triste. Após o nascimento de sua primeira filha, Elizabeth engravidara outras quatro vezes, porém, a criança sempre acabava por falecer. Essa era a sua quinta tentativa de dar um herdeiro ao seu marido que, como Sophie me informara, a cobrava irredutivelmente.
        - Espero que ela consiga desta vez. - falei em tom mecânico, sem saber muito o que dizer. Vira Elizabeth apenas no enterro de nosso pai e o contato que tivemos foi tão superficial que quem não nos conhecesse, poderia jurar que nunca havíamos nos encontrado antes.
        - Estive pensando em convidá-la para o natal, porém acredito que não seja uma boa ideia que ela viaje em tal estado. - disse Sophie com ar sombrio. - Principalmente depois de todas as perdas que viveu.
        Mrs. Flynch conseguira segurar as crianças e as trazia consigo para se juntarem à nós. Estavam agora, calçados e resmungando. Eles se pareciam muito com a mãe. Grandes olhos azuis, cabelos dourados como ouro e tão travessos quanto ela. Rapidamente, Sophie mudou de assunto para não chamar a atenção da governanta:
        - Está gostando de Londres, Sophie? - disse enquanto mordia uma maçã bem vermelha.
        - Bastante. É uma cidade muito agradável! Estava até com saudades! - falei sendo sincera. Estar em qualquer lugar longe de Clarence Hill era reconfortante. Eu me sentia viva novamente, cercada de bailes e pessoas. Houve um tempo em que eu os odiava, agora eu sentia falta de tudo.
        Desde que Sophie foi embora as coisas ficaram monótonas em Clarence Hill. Eu não tinha mais companhias para ir à ópera ou para cavalgar. Minha vida se tornou completamente solitária. Já não haviam desculpas para que eu fosse à loja de Madonna Giordana comprar uma fita para o cabelo ou para comparecer à outros bailes. Sophie era quem me segurava pela mão e me tirava de casa. Agora, sem ela e Mr. Evans eu me sentia mais sozinha do que nunca. Quase não recebia visitas em casa e foi realmente maravilhoso ter o meu primo e sua família por algum tempo em Clarence Hill.
        Também não recebi mais visitas dos Sharman. Anastácia acabou não indo para o convento, parece que Edward desistiu em cima da hora. Foi o que Sophie me disse. Foram todos para a França e nunca mais retornaram. Ele me enviou algumas cartas dizendo como era a sua vida no novo país e como achava o idioma engraçado. Eu não respondi. Achei melhor que ele esquecesse tudo o que tivemos. Se eu respondesse suas cartas, ele poderia pensar que eu tinha sentimentos à seu respeito e isso só machucaria todos nós, eu, ele, Jane. Com o tempo a cartas pararam de chegar e me perguntei se o meu amigo havia morrido ou se havia acontecido alguma coisa. "Aconteceu" - eu disse à mim mesma. "Ele a esqueceu". Respirei sentindo alívio e, ao mesmo tempo, um estranho vazio dentro do peito.

Tarde demaisWhere stories live. Discover now