#21 - Um convite inesperado

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      Aquela semana correu tranquila e divertida. Eu quase havia me esquecido do que é estar rodeada de pessoas! Os gêmeos de Shophie corriam pela casa à todo instante, brincando de se esconder ou de lutar com espadas improvisadas. Nick e Sophie viviam uma estadia tranquila em Londres, ele trabalhava bastante e ela era perfeita para cuidar de um lar. Algo que nem Elizabeth, nem eu, havíamos aprendido a fazer com perfeição, mesmo sendo mais velhas.
     A residência dos Evans era impecável. Cada móvel devidamente no lugar, cada cortina limpa e sem nenhum vinco. Tinha dois andares e era grande o bastante para se perder dentro dela. Não tão grande como Clarence Hill, mas, ainda assim, suntuosa. Chelsea era um bairro tranquilo, se comparado à outras partes da cidade, porém, ainda assim, eu não estava acostumada com a quantidade de pessoas que circulavam por ali todos os dias. Dezenas de carruagens, crianças e criados que iam e vinham, mesmo tarde da noite. Londres era barulhenta para os meus padrões no campo, mas também era encantadora.
     Sophie e Nick me acompanharam em alguns teatros em West End - Coisa de moças não direitas, dizia o meu pai. Assistimos alguns clássicos italianos que se apresentavam em Londres por aqueles dias e, mesmo que eu não compreendesse uma única palavra, ainda assim, eu estava maravilhada com tudo aquilo. Caminhar às margens do Tâmisa era imensamente agradável, mesmo com o tempo frio que se estendia.
     Certa tarde, eu e Sophie estávamos caminhando em St. James Park, enquanto conversávamos sobre os planos que seu marido tinha de comprar uma propriedade em Bedfordshire. Eles desejavam estar próximos à Clarence Hill, para passar as épocas festivas do ano.
     - Seria muito bom, Joana. - Sophie falava com uma expressão sonhadora em seus olhos. - Poderíamos estar reunidas, nós duas. E você acompanharia o crescimento das crianças.
      Meneei com a cabeça afirmativamente, porém não tinha certeza se ainda saberia conviver com outras pessoas. Tanto tempo tinha estado sozinha.
      - Entramos em contato com a propriedade de Woodcottage. Pensamos em comprá-la, mas os donos se recusam a vendê-la, mesmo que não tenham estado lá há anos.
     Ergui a cabeça como se alguém tivesse me chamado à atenção. Meu estômago se embrulhou. Ouvir Sophie se referir aos Sharman como se não os conhecesse me fez perceber o quanto o tempo tinha passado.
     - Conversei com Anastácia por carta. - Sophie disse, parecendo observar minha expressão. - Raras foram as vezes em que nos encontramos após ela deixar Bedfordshire, mas mantivemos contato. Ela disse que o irmão se recusa a vender a propriedade, mesmo que sua esposa insista que é um local sem utilidade alguma para eles, uma vez que se mudaram para a França.
     - A propriedade deve lhe render um bom dinheiro. - eu disse sem saber se gostaria de continuar com aquele assunto. - Pode ser que não valha à pena vendê-la. E como está Anastácia? Nunca mais tive notícias dela! - Tentei levar o assunto para longe de Edward. Não gostaria de iniciar uma conversa sobre sua vida matrimonial.
     - Anastácia está noiva! Se conheceram em Marselha no início deste ano. Ele parece ser um bom homem, francês. Mas ouvi dizer que não tem muito dinheiro. O que não foi nenhum empecilho para que Mr, Sharman lhe concedesse a mão da irmã. Desde que a faça feliz, ele não se importa. Foi o que Anastácia disse.
      Respirei fundo, não precisava ouvir sobre as boas ações de Edward Sharman. Aquela conversa estava muito perigosa. Por dentro, eu desejava que algo ao nosso redor levasse aquela conversa para longe.
      Então, avistei duas mulheres vindo em nossa direção. Pareciam animadas, discutindo algum assunto interessante.
      - Aquelas não são Juliet e Mariane Halford? Lembro de tê-las encontrado quando mais novas em minha última estadia em Londres. - Exclamei, apontando para as duas irmãs com a cabeça.
      Sophie sorriu e acenou para as duas garotas que se aproximaram avidamente. Observei seus rostos amadurecidos pelo tempo, embora não devessem ter mais do que 20 anos. Gêmeas, ostentavam cabelos da cor do pôr do sol e vestiam roupas claras, apesar do tempo cinzento que cobria o céu de Londres.
     Sophie e eu fizemos uma reverência que logo foi retribuída.
     -Querida Sophie! - Exclamou Mariane. - Que bom encontrá-la nesta tarde!
     Ambas me fitaram em silêncio, esperando as devidas apresentações.
     - Esta é Joana Saunders, minha irmã do meio! - Sophie interrompeu o breve silêncio. - Vive em Bedfordshire e veio passar a temporada de fim de ano em minha companhia.
     As gêmeas sorriram com sinceridade, repetindo uma reverência, desta vez, exclusivamente para mim.
     Tentei lhes dar o melhor sorriso que consegui. Eu havia mudado bastante nos últimos anos.
     - Conheci vocês quando ainda eram garotinhas. - retruquei, tentando dar mais intimidade à conversa. - Mas já faz muito tempo que não venho à Londres.
     - Então o baile em nossa casa, no sábado, vai ser uma boa maneira de você relembrar Londres! - Disse uma delas, não consegui distinguir qual. Eram exatamente iguais. Olhei para Sophie em indagação, pois nada tinha me sido dito quanto ao baile em questão.
     Os olhos de Sophie se arregalaram e um rubor feroz lhe subiu às bochechas.
     - Estávamos conversando sobre o baile agora mesmo. Juliet irá tocar belíssimas peças para os convidados. - Disse Marianne enquanto fazia um gesto com as mãos imitando um pianista.      Juliet deu várias piscadinhas em suas pálpebras e pareceu tímida por alguns instantes.
     - Mal posso esperar para ouvi-las. - disse Sophie, após se recompor. Percebi em seu olhar, que não pretendia ir ao baile, mas que precisava falar aquilo para não desagradar as anfitriãs.
     - O convite se estende à toda a sua família! É sempre bom tê-los por perto!
     Após mais uma reverência, as duas irmãs continuaram seu caminho, me deixando à sós com Sophie. Aguardei, pronta para que ela desabafasse sobre o que estava acontecendo. Eu iria compreender perfeitamente ela não se sentir à vontade em um baile, no meio de tanta gente. Não depois de ter crescido no interior. Eu também não fazia nenhuma questão de ir à bailes cheios de debutantes e pretendentes. Nossa época já havia passado!
     Sophie me olhou com seriedade. As covinhas de seu sorriso desapareceram como nunca antes. Percebi que aquilo era mais sério do que eu havia imaginado. Será que Sophie estava tendo ataques de terror quando estava em público e desejava se afastar da sociedade?
Ela respirou fundo.
     -Anastácia estará aqui para este baile. - falou em uma única respiração. Como se precisasse colocar para fora algo que mantinha em segredo.
     Acenei afirmativamente aguardando que ela terminasse. Não poderia ser tão ruim rever uma de suas melhores amigas.
     - Edward e Jane também irão. Devem estar chegando em Londres nesta tarde.
     Fiquei em silêncio tentando digerir o que me fora dito. Os Sharman estão chegando em Londres. Qual seria a probabilidade de nos encontrarmos? Era algo que eu realmente não gostaria que acontecesse.
     - Nunca pensei em ir ao baile, Joana. Sei que não é algo pelo qual você anseia.
     A frase tinha dois sentidos e eu não soube escolher qual preferia. Se era a minha falta de anseio em ir para um baile, ou rever a família de Edward. Um arrepio me percorreu a espinha.      Senti uma pequena vontade de encontrá-lo. De ver como estava, de contemplar a sua felicidade diante da inércia de minha existência.
     - Não iria me contar? - perguntei tentando esconder a frustração que me acometia.
     - Tive medo de que não quisesse mais ficar em Londres. Não quero que se afaste novamente. - Os olhos de Sophie piscaram com lágrimas que não caíam.
     - Então, você achou melhor que eu descobrisse por conta própria? Em um dia qualquer, caminhando pelo parque! - minha voz agora saía rasgada, esganada, como se eu quisesse gritar e não pudesse.
     - Eu ia dizer. Estava esperando o momento correto.
     - E quando seria? - fuzilei seus olhos com o meu, mas a tristeza em seu olhar me desarmava completamente.
     Um lágrima lhe escorreu pelo olho e ela a limpou rapidamente. A abracei assim que percebi seu gesto para esconder a tristeza. Esconder sentimentos era algo que eu compreendia bem e não queria que a minha irmã mais amada descobrisse como isso era cruel.
     - Tudo bem, Sophie. Daremos um jeito nisso. - falei para tentar controlar a sua tristeza.
     - Não quero que vá embora. - Sophie retribuiu o meu abraço. - Podemos ignorar os convites para bailes e fugir de todos eles sempre que soubermos que estão em um determinado lugar.
     - Sophie, Edward e eu já fomos amigos. Não brigamos em nosso último encontro. Apenas a vida nos distanciou um do outro. Eu não tenho motivos para fugir de nenhum dos Sharman. - falei de forma tranquilizadora.
     Sophie olhou para mim como se enxergasse bem no fundo da minha alma. Ela sabia que eu não havia lhe contato a história inteira. Porém, pareceu satisfeita com meu comentário.
     - Mesmo assim, você não precisa se encontrar com nenhum deles. Nem com Anastácia, se não quiser.
     - Estou com muitas saudades dela! Realmente gostaria que a convidasse para tomar um chá, em breve!
     Minha irmã pareceu se acalmar. Afinal, rever os Sharman não era o fim do mundo, era? Não para Sophie. E, mais uma vez, eu guardei só para mim a sensação de estômago vazio e solidão que sentira nos últimos anos. Mas, desta vez, havia algo mais. Um coração batendo tão forte dentro de meu peito que pensei que me saltaria pela boca.

Tarde demaisWhere stories live. Discover now