bilhetes e flores no armário ←

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Era mais um dia de trabalho para Park Jimin, que limpava a prateleira mais alta da seção empoeirada de country music com a ajuda de um espanador. Ele espirrou, se desequilibrando da escada de metal que sustentava seu corpo ­— teria caído se não tivesse se segurado na prateleira, o coração batendo rápido em desespero. Maldita seção de country, pensou; tinha acabado de arrumar mais um motivo para odiar o gênero musical.

Jimin trabalhava na Discolados há quatro meses — havia chegado na cidade de Busan com sua mãe no fim do ano de 1998, depois do divórcio um tanto conturbado de seus pais. Ele sabia que a mãe precisava de ajuda; ela, teimosa como só uma mãe pode ser, insistia que o filho deveria se concentrar nos estudos. Depois de mais uma discussão acalorada entre os dois, o garoto de dezoito anos saiu de casa sem rumo, não desejando falar algo que poderia causar arrependimento depois e em certo ponto se viu parado na frente da loja de música quase vintage, no centro da cidade. Apaixonado por música como era, entrou no estabelecimento e ficou surpreso com a quantidade de discos, cassetes, compactos e singles oferecidos, o que não era muito comum devido à costumes antiquados do país onde morava. O que mais lhe agradou, entretanto, foi a placa atrás do balcão do caixa que carregava os dizeres "precisa-se de funcionários". Começou a trabalhar naquele dia mesmo e, ao voltar pra casa, a discussão com sua mãe foi ainda maior que a primeira.

Seu emprego ali o satisfazia mais do que qualquer outra coisa, afinal, ouvir música era a única habilidade que o rapaz de cabelos cor-de-rosa possuía: se orgulhava por conhecer mais artistas que qualquer um de seus amigos, e possuía o dom quase sobrenatural de conseguir identificar em segundos as músicas tocadas nas festas de porões escuros e empoeirados de Busan. Além de tudo, Jimin gostava de conversar com os clientes da loja e de lhes fazer recomendações para ocasiões especiais, pensando sempre sobre como a pessoa que receberia o presente ficaria ao ganhar algo que poderia parecer simples, mas que carregava muito significado nas melodias e palavras combinadas harmoniosamente.

Jimin ouviu uma risada abaixo de si, seguida de uma voz debochada:

­ — Teria sido mais engraçado se você tivesse caído — disse Kim Taehyung, seu amigo e companheiro de turno na loja. O Kim era filho do proprietário da Discolados, um ex-compositor famoso que decidiu se aposentar ali em Busan; carregava uma expressão sarcástica no rosto marcado pelo conjunto equilibrado de sorriso geométrico e nariz reto levemente franzido.

— Só se fosse 'pra você — respondeu com a voz irritada, mas também de sorriso no rosto. Não conseguia ficar mais que segundos bravo com Taehyung. — O que 'cê quer, hein? — perguntou enquanto descia da escada com mais cuidado que o normal.

– Avisar que teu namorado já chegou, cinco e meia em ponto como sempre — as palavras de Taehyung fizeram o coração de Jimin disparar de novo, mas dessa vez de maneira diferente. Porém, o de cabelos tingidos fingiu que não havia sido abalado pela notícia:

— Ele não é meu namorado, Tae — disse com a voz baixa, as palmas da mão suando. Terminou de descer e guardou a escada no quarto de utilidades. Seguiu então para o caixa, arrumando a bagunça de notas e papeis ali, observado pela figura de sobrancelhas levantadas do Kim. A presença do dito namorado o deixava nervoso e a implicância do amigo nunca o ajudava. Levantou os olhos da caixa registradora e encontrou a figura do rapaz em questão, que levava um dos álbuns da seção de rock alternativo até o tocador da loja e o inseriu ali, pegando o enorme headphone e encaixando em suas orelhas cobertas por seus cabelos escuros.

Jeon Jeongguk aparecia na loja de música toda sexta-feira às cinco e meia da tarde desde sempre — até onde Jimin sabia —, usualmente de preto e com parte do rosto escondida atrás dos cabelos compridos. Não falava muito; ele gostava de transitar entre as prateleiras cheias de rock ocidental de qualquer estilo, às vezes escutando os mesmos CD's, às vezes experimentando um gênero musical novo. Na maioria das sextas-feiras ele estava sozinho, e em outras era acompanhado pelos mesmos três amigos. Jimin reparou em sua presença pela primeira vez quando já trabalhava lá há cerca de três semanas, em um dia particularmente difícil para si — sua mãe ainda tinha problemas com seu emprego, mas não podia recusar a ajuda financeira do filho e se sentia muito mal com tudo isso. Mãe e filho tiveram uma conversa franca, na qual Jimin deixou claro pela última vez que não a culpava por precisar dele e que gostava muito do ambiente da loja e de trabalhar ali. As palavras que saíram tão doídas da boca de sua mãe o acompanharam pelo restante do dia, girando em sua mente e em seu coração. Sentado atrás do balcão do caixa, levantou os olhos distraidamente ao ouvir um "boa tarde" baixinho e se deparou com a visão mais bela que já teve desde que chegou em Busan: um par de grandes olhos castanho-escuros brilhantes o encarando com curiosidade.

entre discos e recados  • jikookWhere stories live. Discover now