NOVOS TEMPOS

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Não demorou muito para que Jullieta plantasse a ideia de conversar com o Dr. abobrinha e cara de pau para ver se reatava com minha mãe. Tentei por vezes tirar o pensamento de sua mente como uma erva daninha grudada nas boas plantas, mas era teimosa feita a manteiga do pão que sempre teima em cair pra baixo.

Sem saída tive que lhe contar sobre a visita estrambólica ao meu ex segundo pai, inclusive a parte do roupão caindo intencionalmente no chão. Como resposta ganhei tapas seguidos na cabeça, ao menos Jullieta fora autentica dessa vez batendo em local inédito. Lhe expliquei que nada poderia ter feito a não ser me assustar. Parou de me bater ao se recordar que se tratando de minha pessoa isso era bem provável.

Impressionada com a história disse que estava de olho na secretária do Dr. Eustáquio que aceitava qualquer possibilidade para me mandar mensagem e ir a minha sala no escritório. Em minha defesa aleguei que é tão enjoada quanto a Emily. O que consegui com essa alegação? Que minha cabecinha redonda ficasse com raiva de duas moças ao mesmo tempo.

Paramos de discutir quando recordamos que mamãe ficou a ver navios. Jullieta se recordou do site que minha mãe visitava em busca de novos amigos. A ideia não me agradava, não confiava em mais ninguém após mais esse duro golpe. Jullieta me lembrou que não preciso confiar em ninguém e sim minha mãe e que já era crescida para decidir por ela.

Foi a primeira vez que quis dar um croque na cabeça de minha lampadazinha, mas ela tinha razão. Ver minha mãe triste era algo que nos corroía por dentro. Procuramos alguns sites confiáveis e encontramos um para viúvos e pessoas acima dos quarenta anos. Conversamos com minha mãe, eu vermelho feito um tomate cereja, e ela disse que estava tudo bem, não estava aberta a novos relacionamentos, na verdade sentimos ainda uma ponta de esperança que o Dr. Hermann a procurasse.

Precisei ser o portador da má notícia. Não detalhei quem seria a pessoa, mas deixei minha mãe a par do estado civil do canalha. Imaginei vê-la mais triste, mas apenas deu de ombros e procurou por tecidos apropriados ao que iria produzir. Jullieta baixou o aplicativo no celular de mamãe apenas por precaução, mas mamãe estava decidida a afundar a cara no trabalho.

Passado algumas semanas a notei revigorada. Sua expressão estava serena e levemente animada. Voltou a cantarolar enquanto trabalhava. Jullieta e eu como dois bobos ríamos acreditando que mamãe havia consultado o tal aplicativo. Imaginei um pretendente por semana, pois estava difícil achar alguém lá com uma junção de boas qualidades.

Nos certificamos que nosso plano dera certo quando mamãe nos avisou que precisava sair aquela noite com amigas antigas, um reencontro. Fingimos que acreditamos e mamãe fingiu que nos enganou. Pensei em segui-la, mas Jullieta tratou o caso como algo horrendo, então desisti, mesmo a contragosto.

Meia noite a danadinha retornou, talvez um pouco alta da bebida, então me certifiquei que era mesmo um encontro de mulheres. Mamãe não costumava ficar alta quando saía com Dr. Hermann, mas com as amigas sim. Mulheres amam ultrapassar os limites quando estão juntas. No fundo me vi aliviado, pela felicidade de mamãe ser por ela mesma.

Semanas depois mais encontros, mas em alguns não voltou um pouco alta, mas com a cabeça em nuvens. Após dois meses de idas e vindas achei por bem questioná-la quem era o sortudo. Mamãe disse que me contaria em breve. Então havia um sortudo. Me vi decepcionado e Jullieta radiante. Um dos motivos era por mamãe e outro que faria um exame na próxima semana para saber como andava seu caso após as sessões. Sentia como se estivesse em um bom caminho, nunca a vi tão esperançosa. Começou a dar algumas dicas para mamãe antes de sair. Tagarelavam como doidas.

Eu era o estranhão querendo que mamãe voltasse a ficar pacata com suas costuras, mas estava a cada dia mais bela e jovial, isso estava começando a me irritar. O auge foi quando disse que estava pensando em morar junto com o tal pretendente. Achei por bem colocar fim àquele mistério e exigi conhecer o homem que em tão pouco tempo deixou mamãe descabeçada.

Dona Elisabeth preparou um jantar com strogonoff e costeletas. Jullieta separou sua marmita com alimentos saudáveis segundo sua nova dieta, mas não estava triste por isso, sua ansiedade em conhecer o tal pretendente de mamãe era mais forte.

A campainha tocou. Levantei como um corredor profissional, mas me lembrei que pela boa educação seria de bom tom mamãe abrir a porta, então retornei como um gatinho encurralado.

Ela sorriu para nós antes de fazê-lo o que aumentou nossa expectativa. Precipitou o rosto para fora da porta para beijar o impudico, o gatuno de mães indefesas. Quando o bendito entrou Jullieta quase engoliu o pepino cheiroso da sua marmita de uma vez só. Me levantei com um flash de câmera e questionei a mamãe que palhaçada seria aquela. Dr. Hermann levou sua mão a frente como querendo me acalmar, mas já estava com meu focinho próximo ao seu.

Mamãe me explicou que entendera suas razões para sair com outra pessoa. Mamãe havia lhe pedido para fazê-lo antes do ato revelador no dia da prisão de meu pai. Estava confusa, não sabia se realmente queria um novo casamento, praticamente jogou o homem para cima da auxiliar de enfermagem tarada.

O encarei como quem diz que não precisava obedecer a minha mãe. Ele me entendeu e respondeu que na verdade nem queria sair com a doida, mas ficou magoado por mamãe não dividir suas mazelas com ele, acreditou que não o amava realmente e ainda gostava de meu pai, se sentiu traído e por isso cometeu aquele ato irrefletido.

Jullieta sorria feito uma criança boba e eu o encarava como se quisesse que um buraco se abrisse sobre seus pés. Disse que poderiam jantar à vontade, mas eu não tomaria parte da reunião. Mamãe compreendeu e realmente jantaram sem mim. Ouvi risadas durante toda a noite, inclusive sobre a doida do roupão. Jullieta fez questão de contar o que fez quando o Dr. foi me atender no portão. Me senti exposto, mas ouvindo todos se divertindo com a cena comecei a achar realmente aquilo uma bobagem. Quis voltar à mesa, mas perdi a coragem.

Ouvi mamãe se despedir. Esperei entrar e corri até o lado de fora onde o Dr. Hermann se preparava para sair. Parei ao lado do vidro da sua porta e ele soltou um grito engraçado de susto. Lhe pedi desculpas e agradeci pela noite, mesmo não tendo participado.

Olhou para mim de um jeito paternal e saiu do carro. Se desculpou por ter seguido os conselhos de mamãe e me garantiu que realmente queria fazê-la muito feliz. Disse que dessa vez ficariam juntos independente do que houvesse e que não pensaria mais em algo tão tosco como ficar com outra mulher, pois sabia que encontrara a mulher de sua vida. Que aquela era por fim a família que tanto sonhou.

Sem jeito o agradeci pela consideração e de uma forma cômica lhe consenti a mão de mamãe. Sorriu paternal e colocou a mão em meu ombro com força moderada, dessa vez não me senti estranho. Na verdade, durante todos os dias que permanecemos distantes, senti sua falta, sua proteção, seu jeito infantil apesar de já ter idade avançada.

Conversamos um pouco mais e quando vimos ríamos como duas hienas com coceira, assim como Jullieta quando a conheci. Tudo se tornou familiar, então ri com gosto, com vontade de rir mesmo. No íntimo estava em êxtase, uma mudança se desfizera, então estava mais calmo. Nem pude perceber que mamãe nos vigiava com um sorriso de paz.

PARA SEMPRE JULLIETAWhere stories live. Discover now