3 - Primeiro interrogatório

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K. tinha sido avisado por telefone de que no domingo seguinte realizar-se-ia um pequeno interrogatório no âmbito do seu caso. Observaram-lhe que tais interrogatórios se sucederiam regularmente, ou mesmo todas as semanas, pelo menos muito frequentemente. Por um lado, era do interesse geral terminar o processo rapidamente; mas por outro lado, era indispensável que tudo fosse examinado em profundidade durante as sessões, sem todavia as fazer durar demasiado tempo, em virtude do cansaço que provocavam. Assim, tinham optado pela solução destes interrogatórios frequentes, mas breves. Haviam escolhido o domingo como dia de interrogatório, para não prejudicar K. nas suas actividades profissionais. Supunham que ele estaria de acordo e, se conviesse outro dia, esforçar-se-iam, na medida do possível, por corresponder ao seu desejo. Os interrogatórios podiam, por exemplo, também ocorrer à noite, mas K. não estaria, sem dúvida, suficientemente fresco nessa altura. Fosse como fosse, salvo objecção da parte de K., ficariam pelo domingo. Claro que ele devia comparecer sem falta, não era preciso insistir nesse ponto. Comunicaram-lhe o número do prédio onde devia dirigir-se; situava-se numa rua de um subúrbio distante, onde K. ainda nunca tinha ido.

K. pousou o auscultador sem responder, depois de ter recebido esta mensagem; decidiu logo lá ir, no domingo; era certamente necessário; o processo começara e devia enfrentá-lo, devendo este primeiro interrogatório ser também o último. Ainda se encontrava de pé junto do aparelho, com ar sonhador, quando ouviu atrás de si a voz do director interino; queria telefonar, mas K. barrava-lhe a passagem.

– Más novas? – perguntou o director interino sem reflectir, não para se informar, mas para afastar K. do aparelho.

– Não, não – disse K. afastando-se, sem todavia se ir embora.

O director interino pegou no aparelho e disse por cima do auscultador, enquanto aguardava a sua comunicação:

– Queria perguntar-lhe, Senhor K., se me daria o prazer de, no domingo, vir fazer connosco uma excursão no meu veleiro? Vai estar muita gente, lá encontrará sem dúvida pessoas conhecidas. O procurador Hasterer, designadamente. Quer vir? Vamos, aceite!

K. esforçava-se por prestar atenção ao que o director interino dizia. Isto tinha importância para ele, porque o convite do director interino, com quem nunca se entendera muito bem, significava um esforço de reconciliação da sua parte e indicava o ascendente que K. assumira no banco, assim como o valor que a segunda personagem da hierarquia ligava à sua amizade ou, pelo menos, à sua neutralidade. Mesmo lançado por cima do auscultador enquanto aguardava uma ligação telefónica, este convite era humilhante para o director interino. Mas K. deve ter-lhe infligido uma segunda humilhação quando respondeu:

– Muito obrigado, mas infelizmente não posso, no domingo tenho outro compromisso.

– É pena – disse o director interino, virando-se para apanhar a chamada que acabara de ser estabelecida.

A conversa não foi breve, mas K. estava tão distraído que permaneceu de pé ao lado do aparelho enquanto ela durou. Foi só no momento em que o director interino desligou que teve um sobressalto e informou, para desculpar um pouco a sua presença inútil:

– Acabam de telefonar-me a dizer que devo ir a um sítio qualquer, mas esqueceram-se de dizer-me a que horas.

– Então ligue mais uma vez – disse o director interino.

– Não é assim muito importante – retorquiu K., embora a sua anterior desculpa, já tosca em si mesma, ainda menos credível ficasse.

Enquanto se retirava, o director interino falou ainda de diversas coisas. K. obrigou-se a responder-lhe, mas estava sobretudo a pensar que o melhor seria lá ir no domingo às nove horas da manhã, pois é a hora em que todos os tribunais começam o trabalho, nos dias úteis.

O Processo (1925)Where stories live. Discover now