Espelho

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O espelho, o pior inimigo... ou seriam os meus próprios olhos? Seria um pedaço de plástico com uma face reflectora o culpado de marcar as piores linhas do corpo ou seriam os meus olhos os responsáveis pela forma deturpada como eu observo todas as manhãs o desenho de uma silhueta à qual não consigo atribuir qualquer elogio se não o facto de, pelo menos, se manter saudável do ponto de vista médico (o que a este ponto, para a minha mente centrada nos ideais de beleza estabelecidos, significa pouco, quase nada)? Embora não seja o que se considera normalmente uma pessoa evidentemente gorda, não posso negar que tenho as minhas dobrinhas e curvas, e que algumas das zonas do meu corpo têm um perímetro maior do que aquele que eu gostaria. E eu sei que o pecado é meu... seja por não ter um corpo perfeito aos olhos da sociedade, seja pela não aceitação face aquilo que vejo no espelho, figura para a qual expresso várias expressões de descontentamento como se a culpa fosse apenas do objeto que me mostra o que eu não gosto e não de uma sociedade que, embora na minha opinião esteja a fazer um bom trabalho rumo à queda dos padrões de beleza, continua a taxar e a opinar de forma brutal sobre o corpo alheio e que, em comportamentos mais extremos, se sente no direito de soltar alguma frase menos simpática, acrescentando rapidamente no final que é a sua opinião na esperança de escapar ilesa a qualquer correção sobre o seu discurso não solicitado.

Agora, semi nua, em frente ao espelho de corpo inteiro do quarto vejo o que sempre vi mas o que nunca observei, um corpo digno de ser amado seja quais forem as suas proporções. E então que tenho dobrinhas nas ancas? Até são fofinhas. E as minhas coxas grossas? Bem, não entram nas calças das modeletes das lojas de roupa mas ficam espetaculares em alguns jeans confortáveis que as deixem ter espaço para respirar. E por fim a mais problemática, a barriga, a rainha das inseguranças, quase sempre sufocada em calças de cintura alta ou em cintas que cortam até a respiração. Bem, essa ainda estou a acostumar-me a aceitar confesso, ainda me incomoda que esteja sempre a espreitar em camisolas um pouco mais justas ou que insista em aparecer por cima da barra daquelas calças mesmo giras que comprei mas enfim, há-de ser aceite, tal como todas as outras partes porque se eu não me amar, quem irá?

Pequenos Momentos by CalvorahWhere stories live. Discover now