10 | Entropia

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Em casa, no jantar, eu mais dava atenção ao meu celular do que para a comida, e isso pareceu irritar minha mãe gradativamente. Nas duas vezes em que dei uma conferida rápida nos meus pais — tempo suficiente para esperar outra resposta de Max no WhatsApp —, recebi um olhar torto dela. Na terceira vez, ela não se conteve.

— Filho, é hora do jantar.

Acho que ela não estava com o humor tão positivo assim — percebi isso pela manhã —, mas não imaginei que fosse culpa minha, afinal, o que eu havia feito? O máximo que poderia acontecer era eu dar trabalho justamente por eu não dar trabalho. Talvez ela quisesse um motivo para brigar comigo.

— Só um minuto — pedi.

Não foi apenas um minuto, claro. De qualquer forma, não era minha intenção irritá-la. Ao contrário dela, meu humor estava muito bom — foi ficando cada vez mais acentuado durante minha conversa com Max.

Quando muito tempo além "só um minuto" se passou, minha mãe intrometeu-se de novo:

— Tales...

— O quê? — Olhei para seu cenho com o celular ainda na mão e com um sorriso aberto (mais uma vez, não tinha nenhuma relação com ela).

Seu olhar desceu do meu aparelho para meu prato, lançando-me o recado só com o rosto.

— Deixe ele, Karla — retrucou meu pai, balançando a cabeça.

— Não, não é nada educado comer enquanto mexe no celular — resmungou minha mãe, tentando aparentar estar mais brava do que realmente queria.

Eu suspirei, mas estava decidido que não queria ter que dizer adeus a Max — a conversa sobre gostos pessoais me interessava muito, ainda que eu tivesse absoluta certeza de que eu estaria interessado no bate-papo mesmo se estivéssemos falando sobre coisas que não tinham sentido.

— Eu só vou me despedir dele — menti, digitando mais um texto.

Trinta segundos depois de perceber que eu havia mentido, ela exclamou meu nome:

— Tales!

Olhei de cara feia para minha mãe.

— O que é?!

— O celular!

Meu Deus!

— Eu nunca mando mensagens enquanto como! — lembrei-a, absorvendo parte de sua ira. — Por que não me deixa fazer isso ao menos uma vez?

— Por que é falta de educação!

— Não seria se eu estivesse falando com uma garota, não é mesmo?!

— Filho... — Meu pai tentou me acalmar, e era notável a diferença no seu tom amoroso.

Suspirei com força.

— Pai, eu não entendo! Ela vive falando que eu preciso de ajuda porque eu sou triste, mas faz questão de tirar minha alegria quando estou feliz! — Encarei minha mãe. — Vovó jamais faria isso.

Ela arregalou os olhos. Saiu sem querer, mas coisas saíam sem querer quando eu estava chateado.

— Talvez devesse morar com ela, então.

— Karla! — Meu pai soltou os talheres, chocado.

— Talvez eu devesse — concordei, a voz baixa. — Ela entendia minha depressão. A senhora, não.

Fiz nascer uma chama de fúria em seus olhos. Acho que essa era a primeira vez que eu discutia com minha mãe. Normalmente eu a ignorava quando percebia que queria começar uma briga, e tive suspeita de que só alimentei nossa atual discussão porque eu estava conversando com Max. Eu não gostava do fato de ter que ser obrigado a parar de falar com ele. Já era ruim demais quando isso ocorria de forma natural.

CONTE-ME MAIS UMA VEZWhere stories live. Discover now