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Yan

— Você vai em um evento infantil?

— É ué — olhei pra Agatha — Porque o espanto?

— Deve ser porque você não tem filho... — Patrick respondeu como se fosse óbvio.

— O Arthur me convidou e eu aceitei o convite — falei colocando minha jaqueta — Qual o problema disso?

— Você está se envolvendo — Agatha apontou.

— Não, não estou.

— Claro que está, porque caralhos você iria a um parque rodeado de crianças sendo que nem filho você tem? — Patrick me olhou — Você tá se envolvendo com a mãe e o filho, isso vai dar merda pra tu.

— Vai nada — peguei minha chave — Eu só vou acompanhar ele, nada demais nisso.

— Hm, quero só ver — Agatha se jogou no sofá.

— Tô vazando — acenei para os dois e sai do sala de residentes.

Eu tinha pego um plantão de 12 horas, dormi apenas uma hora e tomei uma quantidade de energético suficiente para ir ao meu compromisso. Combinei com a Lara de buscar eles e como eu já sabia o caminho não demorei muito. Os dois já estavam na calçada me esperando, sai do carro pra ajudar ela com as coisas do Arthur e assim que eu abri a porta ela me olhou confusa. — Porque você tem uma cadeirinha?

— A lei não deixa crianças andarem sem? — perguntei sendo óbvio.

— Tá, mas porque você tem uma cadeirinha?

— Pra poder levar o Arthur — respondi — E aí, amigão? — fizemos um toquinho.

— Você comprou? — ela perguntou.

— Sim ué.

— Tá bom então — assentiu — Bora filho.

— Titio Yan, você sabia que vai ter váaaaarios quadros pra pintar? — ele começou a contar assim que dei partida. Eu achava tão divertido o fato dele ser aberto comigo, falar sem timidez e brincar mesmo com as suas limitações.

O parque estava lotado de crianças e pra ser sincero, aquilo me assustava pra porra. Pra alguém que tem traumas envolvido seres humanos não nascidos eu estava em um local fora de conforto.

Logo entramos no que era mais uma barraca de pintura, o Arthurzinho grudou em nós e só olhava para baixo, era normal que ele se sentisse assim no meio de tantas pessoas. Aquilo me incomodou, ele estava tão animado e agora só pedia para ir embora. — Ei, campeão — agachei.

— Eu quero ir embola, mamãe. — falou baixinho.

— Porque a gente não pega um tela bem grande pra você pintar, ein? — perguntei — Nós podemos colocar ela ali no canto vazio, lá não tem muita gente. O que você acha?

— Eu achei uma ótima ideia — Lara me olhou sorrindo — Pode ser, meu amor?

Podi.

Espera aqui que eu vou buscar a tela pra você — entrei na fila rápida e comprei algumas coisas necessárias pra pintar, mesmo sabendo que ele tinha uma bolsa cheia de pincéis e tinta. Voltei e fui com eles até um lugar mais tranquilo, coloquei a tela no suporte e entreguei as outras coisas pra ele.

— A mamãe e o Yan tá aqui sentado, tá bom filho? — ele nem tchum pra Lara, só deu um sorriso pra tela e começou a mexer nas coisas dele — Ele fica assim quando começa a pintar, entra no mundinho dele e nem da bola pra mim.

— É raro ver uma criança de três anos com um talento assim — falei sentando ao lado dela na grama. — Eu nessa idade comia barro — gargalhou.

— Eu gostava de brigar com os meus primos — riu — Nem sei da onde ele tirou esse talento.

— Eles tendem a focar em algo e criar meio que uma obsessão do bem.

— Ele começou a gostar de pintar com um ano e poucos meses, só rabiscava é claro, mas depois começou a fazer certinho e eu me surpreendi demais. Eu cheguei até a ir em um grupo de mães com filhos autistas, cada uma contava uma característica totalmente incrível e que as outras crianças tendem a punir ou se afastar.

— Já se afastaram dele? — ela deu um sorriso fraco e concordou com a cabeça — Desculpa, eu não deveria ter perguntado isso.

— Não tem problema — sorriu — Ele não tem muitos amiguinhos, a maioria o exclui até mesmo de aniversários ou festinhas. Várias vezes já chorei vendo o meu filho triste por isso, ele também já chegou a dizer que não tinha problema. Machuca, sabe?

— Eu nem imagino, eu nunca gostaria que fizessem isso com o meu filho ou qualquer criança.

— Na primeira escolinha, ele era maltratado pelas professoras. Não exatamente maltratado no sentindo de apanhar. Elas gritavam com ele apenas porque ele não queria fazer alguma atividade ou não queria ficar no meio da turma, meu bebê chegava em casa chorando e eu ao menos sabia o porquê.

— Eu não sei o que eu faria — falei nervoso, e olhei pro Arthur pintando. Não é como se eu não ficasse puto da vida com qualquer maltrato a crianças, mas com aquele menininho parecia outra realidade.

— Como a mãe protetiva que sou, fiz um barraco e quase bati na diretora — riu — Mas elas falaram que não poderiam fazer nada, e no fim eu troquei ele pra uma escola mais especializada, não totalmente, mas já ajuda.

— Ele é incrível, olha só como ele desenha — apontei — Eu só sei fazer gente em palito e no máximo uma casa desestruturada. Queria que o meu filho tivesse talentos assim.

— Você tem filho? — me olhou surpresa.

— Não — neguei rápido — Eu quase tive na verdade. É uma longa história...

— Nós temos tempo, me conta!

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Meu recomeçoWhere stories live. Discover now