Quem merece morrer?

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Rússia czarista, 1914.

- Nastya! Desça daí, agora! – Alexandra, a czarina esposa de Nicolau II, tentava pela milionésima vez tentar tirar Anastásia de cima de uma árvore. A garota era a caçula entre as filhas do casal real, e era a mais difícil de controlar, sempre aprontando. Quando subia nas árvores então, era quase impossível tirar a pestinha de lá de cima. Só uma alma viva conseguia essa proeza.

- Deixa comigo, querida. – Nicolau disse se aproximando risonho. Sempre que a menina decidia que queria brincar como se fosse um passarinho empoleirado numa árvore ele se divertia intimamente com as peripécias da menina. – Nastya, desça. – Nicolau disse num tom calmo, sem nenhum tom de advertência ou ordem. A menina desceu alegremente sem contestar. Era um tipo de jogo entre eles, Anastásia gostava do sorriso gentil e calmo do pai e ele gostava da energia da menina que o lembrava de seu pai, o falecido czar Alexandre III. Anastásia desceu, pulou no colo do pai sem aviso, que a segurou rindo. – Você precisa parar com isso, querida. Não é correto uma grã-duquesa pulando em árvores. Você pode acabar se machucando. – Ele disse tentando, e fracassando, parecer sério. –

- Não tenho medo, papa. Você me protege. – Anastásia disse puxando a barba negra do pai.

- Minha pequena diabinha, vá com sua aia. Tem doces na cozinha. – Ele disse colocando a menina no chão que correu à frente da aia, fazendo a serva quase correr pra acompanha-la.

- Doces? – Alexandra disse olhando feio pro marido. – Você estraga essa menina. Se não castigá-la por seus erros ela será insuportável quando crescer.

Nicolau apenas deu o braço para a mulher e sorriu. Ele adorava estragar os filhos com mimos.

Floresta de Ipatiev, Ecaterimburgo, 1919.

Ninguém conseguia dormir no acampamento depois do surto e morte de Kabanov, e o ferimento de Nikulin. O clima era pesado até para os mais céticos do grupo. Apesar de Yurovsky ter ordenado que um grupo dormisse e outro vigiasse Nikulin, para depois revezarem, ninguém conseguiu ficar na cama por muito tempo. Todos se sentiam agitados e nem mesmo a bebedeira de horas antes estava ajudando a descansar. Um a um, todos se levantaram e sentaram ao redor da fogueira que ardia no meio do acampamento. Ninguém conseguia falar nada por um tempo, ainda acalmando os pensamentos.

- Porque estão aqui? Mandei vocês descansarem. – Yurovsky disse saindo da tenda onde Nikulin estava dormindo com febre.

Todos olharam para ele, ainda sem saber o que dizer.

- Senhor, estive pensando em... O que estão fazendo fora das tendas, camaradas? – Voikov disse saindo da mesma tenda que Yurovsky tinha acabado de sair.

- Nós não conseguimos descansar com... tudo o que aconteceu. – Medvedev disse, olhando de canto pro irmão como se pedisse permissão para falar, como ele sempre fizera desde criança. Kudrin estava de cabeça baixa, nem mesmo direcionando um olhar para o irmão. Kudrin quase podia jurar que alguém os estava observando, mas não queria comentar nada ainda. Ou não podia. Ele sentia um peso estranho no peito, como se uma angústia quisesse começar a se fazer presente em seu coração, mesmo sem nenhum motivo.

- Na hora da troca de turno não vou aceitar isso como desculpa. – Yurovsky disse.

Um vento gélido chacoalhou as árvores ao redor, quase zumbindo. Não. Zumbindo não. Gritando. Isso. As folhas das árvores emitiram um som que parecia um conjunto de gritos femininos. Até mesmo Yurovsky, tão cético quando qualquer comunista que se preze, sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Todo mundo, dentro e fora da tenda, se sentiu congelando no lugar, mas não de frio. De medo. Um medo que ia além de qualquer outro medo experimentado por eles mesmo em combate.

A vingança dos RomanovOnde histórias criam vida. Descubra agora